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Nas favelas do Rio, ordem do STF não vale nada. Rotina de mortes continua
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Na maior parte do território brasileiro, os cidadãos suspeitos de algum crime têm direito às prerrogativas determinadas pela lei: acusação, investigação e julgamento. Caso sejam condenados, serão submetidos às punições regulamentares. Como se sabe, não há pena de morte no Brasil.
Nas favelas do Rio, a legislação não tem efeito algum. Basta que alguém seja considerado "suspeito" para correr o risco de ser condenado à pena capital, consumada por um tiro de fuzil ou qualquer outra arma de um policial. Depois, divulga-se a notícia de que um "suspeito" ou vários "suspeitos" morreram em operação da polícia.
Esse processo penal paralelo foi colocado em prática mais uma vez hoje, na incursão que agentes civis e PMs fizeram na favela do Jacarezinho, na zona norte do Rio. Até o início da tarde, o saldo era de 25 mortes. Segundo a polícia, 24 dessas vítimas eram "suspeitas" e uma delas policial.
O morticínio acontece durante a vigência da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 635, que levou o ministro Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal, a determinar que durante a pandemia de covid-19 operações policiais em comunidades pobres do Rio sejam feitas apenas com autorização da principal corte do país.
Não se sabe se a ação de hoje foi autorizada pelo STF, mas de qualquer forma vai contra o espírito da ADPF, que é evitar que os moradores sejam colocados em risco durante essas incursões.
Apesar de fontes da polícia argumentarem que todos os mortos eram "suspeitos" e que atacaram os agentes, relatos de moradores vão em sentido contrário. Um deles denuncia a morte de rapaz que trabalhava como mototaxista. Outro diz que houve requintes de sadismo por parte de policiais.
As autoridades que deveriam defender o cumprimento da lei no Brasil - e no Rio em particular - parece que se esquecem dessa função quando decidem combater traficantes aninhados nas comunidades pobres.
Os recursos de inteligência, que poderiam minimizar confrontos violentos, são usados apenas para identificar os alvos, não para guiar as práticas. Na rotina, ao entrar nas favelas os policiais lançam mão do mesmo método de décadas atrás: atiram primeiro, perguntam depois.
Quando os traficantes se escondem nas casas da comunidade, os agentes algumas vezes invadem esses imóveis para executá-los em aposentos onde vivem famílias que não têm nada a ver com tráfico. Levam a morte a domicílio como nunca fariam se estivessem desempenhando o mesmo trabalho em um imóvel da zona sul ou Barra da Tijuca, bairros onde vivem a classe média alta e os ricos. Nessas áreas, o único risco à vida é a covid-19.
É cansativo mas necessário repetir que ninguém quer que a polícia seja alvo de criminosos passivamente. Mas tampouco os moradores podem ser alvos nesse confronto.
Além disso, em caso de identificação de algum envolvido no tráfico, o objetivo deve ser prendê-lo e não matá-lo. Não faltam exemplos para provar que as autoridades são capazes de fazer seu trabalho sem colocar a comunidade em risco ou executar penas sumárias.
Apesar disso, a política do "tiro na cabecinha", preconizada pelo ex-governador Wilson Witzel (PSC), parece ter sido mantida pelo atual chefe do Executivo, Cláudio Castro (PSC). Em operações policiais recentes também houve mortes por atacado, embora em número menor. Exemplos cristalinos de insegurança pública.
Com a operação do Jacarezinho, o Rio de Janeiro afunda ainda mais na barbárie, sob aplausos de uma claque de justiceiros que mora bem longe da favela e está a salvo dos disparos de fuzil.
Naquele pedaço do território fluminense, assim como em outras favelas, decisões do STF parecem não valer de nada.
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