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Personagem da semana: Queiroga, o médico e o monstro do bolsonarismo
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Está na galeria dos clássicos universais o livro "O estranho caso de Dr. Jekyll e Mr. Hyde", de 1886, em que o escritor escocês Robert Louis Stevenson conta a história do médico pesquisador que bebe uma de suas fórmulas experimentais e se transforma em figura monstruosa.
A versão atualizada dessa trama fictícia, também conhecida como "O médico e o monstro", parece estar se materializando em nossos dias, estrelada pelo ministro da Saúde, Marcelo Queiroga.
Conhecido pelos pacientes como homem cordial e equilibrado, o cardiologista vem passando por mutação profunda desde que assumiu a pasta.
Apesar do negacionismo do presidente Jair Bolsonaro (sem partido), Queiroga começou o trabalho exaltando a ciência, defendendo o uso de máscara e incentivando a vacinação contra a covid-19. Nos últimos tempos, porém, discurso e prática foram se alterando para se ajustar ao estilo delirante do presidente.
O processo de metamorfose do ministro se consumou na noite de segunda-feira (20), quando, em resposta a manifestantes que protestavam contra Bolsonaro à porta da residência da missão brasileira junto à ONU (Organização das Nações Unidas), em Nova York, ele se movimentou dentro do micro-ônibus que transportava a comitiva governamental para mostrar o dedo do meio aos ativistas.
O vídeo com essa imagem correu pelas redes sociais e pelos veículos de comunicação de todo o mundo, cristalizando a transmutação de Queiroga em uma versão paraibana de Edward Hyde, o personagem horrendo criado por Stevenson.
No dia seguinte a esse arroubo, o ministro testou positivo para covid-19 e aprofundou ainda mais o vexame que o grupo de autoridades brasileiras protagonizou nos Estados Unidos.
O resultado obrigou o primeiro-ministro britânico, Boris Johnson, com quem esteve na segunda-feira (20), a fazer teste de covid —cujo resultado felizmente foi negativo. Queiroga também se reuniu com investidores e esteve no plenário da ONU acompanhando o presidente, sem saber que estava infectado.
Prefeito de Nova York, Bill de Blasio ironizou o fato nas redes sociais. Publicou uma foto de Queiroga e escreveu: "Se ao menos houvesse alguma maneira de limitar seu risco. Oh, espere!", completou, compartilhando o link com a relação de locais de vacinação na cidade.
O chefão da pasta da Saúde recebeu críticas por cumprir a quarentena no mesmo hotel de luxo, o International Barclay, em que se hospedou com Bolsonaro e o restante da comitiva. Isso resultaria em gasto de R$ 30 mil, mas a assessoria da pasta anunciou ontem que ele se mudaria para um hotel mais econômico.
Queiroga e a poção tóxica do bolsonarismo
Antes da sequência de micos em Nova York (não é possível esquecer também da degustação da pizza em um "podrão" de rua), o ministro da Saúde tinha tomado atitudes que são típicas de alguém que bebeu a poção tóxica do bolsonarismo.
Na decisão mais grave, anunciou na semana passada a suspensão da vacinação de adolescentes sem comorbidades, que já vinha sendo feita há dias pelos governos estaduais e municipais, e não apresentou qualquer justificativa plausível para isso. Citou que jovens vacinados nessa faixa etária apresentaram 1.500 casos de efeitos adversos, informação que a Anvisa desmentiu —foram apenas 32.
Chegou ao absurdo de orientar que adolescentes vacinados com a primeira dose não completassem a imunização. Secretários de Saúde de todo o Brasil e cientistas criticaram duramente a decisão.
Queiroga participou da live semanal que Bolsonaro realizou há dez dias e admitiu que a ideia de suspender a vacinação de adolescentes sem comorbidades partiu do presidente, que passou para ele um "sentimento" sobre o assunto.
"O senhor tem conversado comigo sobre esse tema, e nós fizemos uma revisão detalhada no banco de dados do DataSus", afirmou o ministro.
Depois da ameaça de demissão em massa de técnicos do ministério e da confirmação de que não foi detectado nenhum evento adverso grave em vacinados nessa idade, a pasta voltou a liberar, enfim, a imunização de adolescentes sem comorbidades.
Antes disso, a CPI da Covid já tinha decidido reconvocar Queiroga a depor no Senado para falar sobre seu recente estilo negacionista.
Na comissão, terá que falar por quais motivos quer revogar a obrigatoriedade do uso de máscaras, uma vez que a pandemia ainda não chegou ao fim, e terá que explicar como ainda participa de um governo cujo presidente ocupa a tribuna da ONU para defender o famigerado tratamento precoce, bizarrice que até os países teoricamente mais atrasados já concluíram que, além de não ter qualquer eficácia contra o coronavírus, pode colocar em risco a vida dos pacientes.
Pelas últimas atitudes, os senadores da CPI já sabem que a nova versão de Queiroga a quem vão dirigir as perguntas será bem diferente daquela que esteve por lá no início de junho, quando estava mais para o cordato Dr. Henry Jekyll, do livro de Stevenson.
Dessa vez, esperam alguém mais parecido com o assustador Mr. Hyde, completamente afinado com esse governo monstruoso.
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