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Chico Alves

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

'Perdeu, mané' é desabafo, mas o melhor para ministros do STF é silenciar

13.nov.2022 - Luis Roberto Barroso, ministro do STF, é intimidado durante caminhada nos EUA - Reprodução
13.nov.2022 - Luis Roberto Barroso, ministro do STF, é intimidado durante caminhada nos EUA Imagem: Reprodução

Colunista do UOL

16/11/2022 09h40

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É preciso reconhecer: não é agradável conviver com golpistas lunáticos que promovem perseguição insistente nas redes sociais e fora delas, quase sempre com xingamentos e acusações infundadas. Depois de muito aturar, tem uma hora que qualquer ser humano, por mais polido que seja, perde as estribeiras.

Foi o que aconteceu com o ministro Luis Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal (STF), ao ser abordado por um "patriota" nas ruas de Nova York. O homem pergunta se Barroso vai deixar "o código-fonte ser exposto", referindo-se à base do sistema das urnas eletrônicas - que, diga-se de passagem, teve o acesso liberado um ano atrás.

De saco compreensivelmente cheio, o ministro dirigiu-se ao sujeito, antes de entrar em um prédio: "Perdeu, mané. Não amola".

A fala, candidata a bordão do ano, foi captada em vídeo, viralizou e, para surpresa de ninguém, virou tema de memes e debate nas redes sociais.

É preciso repetir que não é fácil a vida das autoridades que são alvos da turma antidemocrática fantasiada com camisa da seleção brasileira. Por isso, a resposta de Barroso pode ser encarada como um desabafo. O carioquês de sua fala deu ao episódio um tom bem-humorado, nada agressivo.

Para a trupe bolsonarista, no entanto, a resposta de Barroso serviu como combustível para renovar as críticas aos ministros do STF. Tanto os asseclas de Jair Bolsonnaro quanto personagens considerados "isentos" reclamam da falta de respeito com um cidadão brasileiro, exigem compostura.

A verdade é que, tanto nas redes quanto na vida real, a melhor reação de um integrante do Supremo ao assédio golpista é o silêncio.

É certo que os seguidos ataques de Jair Bolsonaro ao STF e ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) obrigaram nos últimos tempos os ministros a falarem com firmeza para defender as instituições. Nessas ocasiões, no entanto, defendiam-se do político mais poderoso do país, não de um cidadão comum.

Passadas as eleições, talvez já possam retomar a rotina normal, de se manifestar apenas nos autos ou em esporádicas entrevistas. Bate-bocas de rua não são exatamente a melhor maneira de reagir a essa horda.

Do lado dos radicais bolsonaristas, deu-se, como sempre, a manipulação da realidade. Nas plataformas digitais, falaram de Barroso como se ele fosse um troglodita.

Logo eles, que idolatram um presidente especialista em grosserias. Bolsonaro chamou Barroso de "filho da puta"; reagiu com um "Acabou, porra!" à operação do STF contra acusados de integrar as milícias digitais; chamou de "idiota" um cidadão que o cobrou aquisição de vacinas e disse a ele que iria "comprar vacina na casa da tua mãe"; dirigiu-se a um jornalista de O Globo que perguntou sobre Fabrício Queiroz para dizer que tinha vontade de "encher tua boca de porrada"... é longa a lista de impropérios.

Quem não enxerga nada de errado no comportamento ogro do presidente não tem direito de fazer reparos ao desabafo de Barroso.

Mas os brasileiros que não são lunáticos podem, sim, fazer reparos à verborragia dos ministros do Supremo. Para eles, na maioria dos casos o silêncio vale ouro.

PS.: Um outro motivo de crítica, essa mais séria, é a participação dos seis togados do STF no evento em Nova York patrocinado por grandes empresas que têm ou poderão ter assuntos julgados na corte. O Judiciário já tem problemas demais para ficar fomentando dúvidas sobre seu comportamento, ao misturar interesses públicos e privados.