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Chico Alves

REPORTAGEM

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Grupo espírita lança versão antirracista das obras de Allan Kardec

"O evangelho segundo o espiritismo - Edição antirracista" - Divulgação
"O evangelho segundo o espiritismo - Edição antirracista" Imagem: Divulgação

Colunista do UOL

05/03/2023 04h00

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O combate ao racismo no Brasil ganhou reforço em um novo segmento: o espiritismo. O grupo progressista Espíritas à Esquerda está lançando os livros da maior referência dessa linha religiosa, Allan Kardec, em edições que discutem e corrigem conceitos racistas que eram usados no século 19, quando o autor escreveu suas obras.

O primeiro livro foi "O evangelho segundo o espiritismo - Edição antirracista", lançado em 20 de novembro do ano passado, Dia da Consciência Negra. No próximo mês será publicado "O livro dos espíritos - Edição antirracista". São ebooks que podem ser baixados gratuitamente.

A discussão sobre essa atualização começou há 17 anos, quando o Ministério Público Federal da Bahia recebeu uma reclamação contra as ideias consideradas racistas na obra de Kardec. O MP costurou um termo de Ajustamento de Conduta (TAC) com entidades como a Federação Espírita Brasileira, a Federação Espírita do Estado de São Paulo e seis editoras para incluir notas explicativas sobre o assunto.

"São pequenas anotações no pé de página apontando para o final do livro, muita gente nem nota que existam essas notas, ninguém lê", explica Mariela Bier, graduada em Letras, que participou da atual edição antirracista e fez o prefácio do livro. "Agora as observações estão no meio do texto, em um quadro com proposta de interpretação, não há como não ver".

Até sexta-feira (3), foram registrados 1.814 downloads da edição antirracista de "O evangelho segundo o espiritismo".

Segundo Mariela, as notas explicativas negociadas anteriormente pelo MP já eram problemáticas, por evocar algumas noções de pseudociência da época do mentor do espiritismo, que já estão superadas. "O próprio Kardec dizia que se a ciência avançasse o espiritismo deveria avançar com a ciência", diz ela.

Allan Kardec - Divulgação - Divulgação
Allan Kardec
Imagem: Divulgação

Por exemplo, Kardec faz comparações em que defende que há raças mais avançadas que outras. No texto "Perfectibilidade da raça negra", escreve o seguinte:

"Os negros, pois, como organização física, serão sempre os mesmos, como espíritos, sem dúvida, são uma raça inferior, quer dizer, primitiva; são verdadeiras crianças às quais pode-se ensinar muita coisa; mas por cuidados inteligentes, pode-se sempre modificar certos hábitos, certas tendências, e já é um progresso que levarão numa outra existência, e que lhes permitirá, mais tarde, tomar um envoltório em melhores condições."

O autor era adepto da Frenologia, uma prática pseudocientífica que analisava o caráter e a capacidade mental das pessoas através do formato do crânio.

Kardec era o pseudônimo do educador francês Hippolyte Léon Denizard Rivail, que também atuava como tradutor. Ele sistematizou as pesquisas sobre fenômenos paranormais e a mediunidade, e tornou-se assim a referência da religião. O espiritismo é baseado na evolução do espírito através da reencarnação, na existência de vida em outros mundos e na prática mediúnica como forma de comunicação entre os vivos e os mortos

"A doutrina espírita é progressista na essência, mas há uma ala que pensa que essas obras são intocáveis. Não vamos adulterar, mas fazer a discussão mostrando que esses textos têm problemas e nós precisamos, sim, avançar sobre eles", explica Mariela.

Algumas pessoas mais tradicionalistas reclamam da interferência nos textos de Kardec. "Pretendemos mexer com o conservadorismo", assume ela. "Não estamos alterando o que ele diz, mas a forma como diz".