Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.
Rancor contra Moro leva Lula a fazer um dos maiores gols contra da carreira
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Mesmo os adversários reconhecem o presidente Lula como um político de grande habilidade de comunicação. Sabe passar simpatia, emoção e revolta de uma forma que o público entende fácil. Foi com esse trunfo que, nos tempos de sindicalista, conseguiu costurar improváveis acordos entre metalúrgicos e donos de indústria. Esse mesmo expediente foi usado para cumprir dois mandatos de presidente, equilibrando demandas da população mais pobre e de grandes empresários.
Seu estilo informal encantou até chefes de Estado como Barack Obama, que o chamou de "o cara".
Lula continua se comunicando muito bem, mas desde a última campanha eleitoral mostra que está rateando seriamente. Soltou várias frases infelizes que obrigaram assessores e aliados a dar explicações para evitar prejuízos eleitorais.
Na corrida presidencial, Lula chamou indígenas de "índios", escravizados de "escravos" e disse coisas como: "Quer bater em mulher? Vá bater em outro lugar, mas não dentro da sua casa ou no Brasil".
Mesmo assim, na disputa com Jair Bolsonaro, um campeão na arte de dizer asneiras, conseguiu vencer a eleição.
Agora, prestes completar três meses de governo, Lula cometeu dois deslizes em sequência. O primeiro já tinha sido grave: em entrevista ao site Brasil 247, pensando que a conversa seria gravada e não ao vivo, relembrou comentário feito quando estava na prisão, em Curitiba. "Eu falava 'não está tudo bem. Só vai estar bem quando eu foder esse Moro'. Vocês cortam a palavra 'foder' aí?", soltou.
Como era de se esperar, a resposta de Moro não demorou. Disse em entrevista que a fala do presidente colocava em risco a si e sua família.
Por coincidência, no dia seguinte à entrevista de Lula, a Polícia Federal revelou um detalhado plano do PCC para matar ou sequestrar autoridades como o promotor de Justiça de São Paulo Lincoln Gakiya e também Sergio Moro. Jair Bolsonaro e sua trupe de aliados correram às redes sociais para tentar ligar irresponsavelmente a declaração de Lula ao plano da facção criminosa.
O episódio já parecia algo superado. Até que Lula resolveu comentar de novo o caso, dessa vez de uma forma ainda mais infeliz.
Referindo-se à descoberta do plano do PCC contra Moro e sua família, o presidente disse: "Eu acho que é mais uma armação do Moro. Quero ser cauteloso, é visível que é uma armação do Moro. Vou pesquisar, vou saber", disse aos jornalistas. E emendou: "Não vou ficar atacando ninguém sem ter provas e, se for mais uma armação, ele vai ficar mais desmascarado ainda. Não sei o que vai fazer da vida se continuar mentindo do jeito que está mentindo".
Com poucas palavras, o presidente conseguiu várias proezas negativas. Levantou suspeita sem provas; lançou dúvidas sobre a seriedade de uma operação da Polícia Federal, que é subordinada a seu Ministério da Justiça e Segurança Pública e colocou no centro do palco político seu inimigo Sergio Moro, dando a ele todo o pretexto que precisava para responder a Lula e questionar sua decência.
É compreensível que Lula guarde rancor do homem que o fez passar 580 dias na cadeia, baseado em um processo cheio de vícios e ilegalidades, como a parceria entre o magistrado e a acusação. Mas foi o próprio presidente quem anunciou que não levaria para seu terceiro mandato nenhum ressentimento. Não é isso que estamos vendo.
Espera-se que, pelo próprio bem e do Brasil, Lula tenha mais cuidado com a verborragia a partir de agora.
Afinal, as consequências da incontinência verbal dos governantes normalmente são sentidas pelo povo.
Que o apagão de Lula se restrinja a essas duas declarações infelizes.
O governo já tem problemas demais para que o petista se dedique a criar novas encrencas por conta própria.
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