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Chico Alves

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Caso Luan mostra que torcidas organizadas são caso de segurança pública

Luan, jogador do Corinthians, em partida pelo Campeonato Brasileiro de 2021 - Richard Ducker/FramePhoto/FOLHAPRESS/5416
Luan, jogador do Corinthians, em partida pelo Campeonato Brasileiro de 2021 Imagem: Richard Ducker/FramePhoto/FOLHAPRESS/5416

Colunista do UOL

04/07/2023 15h04

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Entre os desafios das autoridades de segurança pública no Brasil, é preciso urgentemente incluir um item que tem passado longe das discussões policiais. Há muitos anos, torcidas organizadas de futebol vêm protagonizando cenas de violência cada vez mais selvagens. Ocorrências de ameaça, agressão ou morte motivadas por ações de torcedores são tratadas como casos isolados.

Acontece que esses casos isolados se tornaram frequentes — e cada vez mais bárbaros. Impunes depois de cada episódio de agressão, integrantes de organizadas se dedicam a inovar os métodos de intimidação contra dirigentes e jogadores do próprio clube, e contra torcedores rivais.

Vários momentos trágicos foram registrados por causa dessa ira, mas tragédias maiores podem acontecer se a truculência não for contida.

Não é difícil chegar a essa conclusão quando se assiste ao vídeo em que aparecem homens que fariam parte da Gaviões da Fiel agredindo e intimidando o jogador Luan, do Corinthians. O atleta foi localizado em um motel pelos torcedores, que invadiram o local e o agrediram enquanto faziam ameaças para que deixasse o clube. As cenas foram gravadas pelos próprios trogloditas.

O vídeo em que Luan aparece subjugado se assemelha com aqueles registrados pelos chamados "tribunais do tráfico" das facções criminosas cariocas ou dos fundamentalistas do Talibã, no Afeganistão.

Duas semanas antes, jogadores do Santos foram atacados pela torcida com bombas e rojões em pleno gramado da Vila Belmiro por causa da derrota por 2 X 0 para o Corinthians. No dia seguinte ao jogo, o técnico Odair Hellmann teve seu número de telefone vazado nas redes sociais e recebeu ameaças contra si e sua família. Acabou deixando o clube.

Poucas horas depois do jogo no estádio do Santos, cenas de selvageria semelhantes foram registradas no Rio, mais especificamente em São Januário. Revoltados com a derrota para o Goiás por 1 X 0, torcedores do Vasco brigaram, soltaram rojões e depredaram carros dos jogadores.

Isso para não citar confrontos anteriores entre grupos rivais, que resultaram em mortes

O futebol é um importante ponto de referência para a sociedade brasileira, em especial para os jovens. Por isso é tão fundamental que os times e a CBF encampem a luta contra o racismo, como estão fazendo agora.

Na contramão desse bom exemplo, há décadas muitas torcidas organizadas dão aula de como ser bárbaro, incivilizado, criminoso. Pior: algumas delas atraem e arregimentam esses brigões para medir forças com seus desafetos.

Claro que as organizadas colaboram muito para o encanto dos estádios, com seus cânticos, coreografias e adereços. A história do futebol não pode ser contada sem menção à paixão desses torcedores mais abnegados.

Isso não dá o direito a esses grupos de transformar sua prática em método miliciano, não dá direito de atacar como se fossem inimigos aqueles que deveriam ser apenas adversários ou até mesmo atletas que defendem suas cores, como aconteceu com Luan.

Que as agressões ao atacante do Corinthians sejam apuradas com rigor e punidas. Antes disso, que sirvam para uma reflexão profunda dos responsáveis pelo esporte e das autoridades de segurança.

É mais necessário do que nunca que tais personagens sentem à mesa para discutir em conjunto formas de desacelerar a escalada de violência.

E que seja rápido.

A continuar assim, um novo — e possivelmente mais grave — episódio de agressão não vai tardar a acontecer.