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Com Doria ou Leite, PSDB será engolido pelas sobras do bolsonarismo
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* Vinícius Rodrigues Vieira
Nesta terça (19) os governadores Eduardo Leite (RS) e João Doria (SP) enfrentam-se no primeiro debate de presidenciáveis do PSDB. Também participa do encontro o pré-candidato Arthur Virgílio Neto, ex-senador pelo Amazonas e ex-prefeito de Manaus. A julgar pelas movimentações dos últimos dias, independentemente de quem vencer as prévias do partido, os tucanos entrarão em 2022 mais rachados do que nunca, prontos para mais uma derrota nas urnas e, quiçá, para sua extinção de fato.
Desde o governo Lula, o PSDB vive uma crise de identidade. Em vez de defender o legado virtuoso do Plano Real, a universalização do ensino básico e a estabilidade democrática da transição do século XX para o XXI sob o governo de Fernando Henrique Cardoso (FHC), o partido aceitou as pechas de privatista e anti-povo. Flertou com a direita até se casar com ela — e ainda por cima com o seu pior lado, o bolsonarismo.
Doria e Leite são os noivos mais robustos desse casamento que, desde o começo da pandemia, encaminha-se para o divórcio. Tal como num enlace matrimonial, os digníssimos governadores assumiram o sobrenome do cônjuge e, agora, negam que dividiram a urna com Bolsonaro. A dobradinha BolsoDoria, por exemplo, é uma tatuagem difícil de apagar. Leite fustiga seu colega de partido com essa memória nada nobre, muito embora tenha declarado voto em Bolsonaro no segundo turno.
A composição da Câmara dos Deputados, desde 2014, sinaliza um país mais à direita no campo dos valores, fruto da expansão evangélica e do sucesso da Lava Jato em associar a corrupção à esquerda apenas. Na economia, a pandemia encarregou-se de dinamitar o que havia de liberalismo de mercado na retórica da dita nova política.
Nesse contexto, o PSDB virou franja daqueles que embarcaram com gosto no bolsonarismo, um movimento de ultradireita liderado por um capitão que deixou o Exército acusado de planejar atentados a bomba em quartéis do Rio de Janeiro. Caberá, portanto, a Doria ou Leite — os candidatos com reais chances de vitória nas prévias — conduzir o funeral do PSDB em 2022.
Doria não decola nas pesquisas, seja pelo seu passado bolsonarista, seja porque o presidente Jair Bolsonaro e seus apoiadores conseguiram colar nele a pecha de responsável pela quebradeira de negócios na pandemia. Para a infelicidade do governador paulista, ter trazido a CoronaVac ao Brasil e, assim, forçado o governo federal a rever sua postura negacionista já é passado.
Leite seria uma novidade no cenário nacional, mas deve enfrentar dificuldades entre os mais conservadores e evangélicos por ser gay. Seria uma virada e tanto ver um país em que parte significativa do eleitorado caiu no conto da mamadeira de piroca eleger, quatro anos depois, um presidente declaradamente homossexual.
Gostaria de ver o governador gaúcho sendo criticado por sua adesão ao bolsonarismo, sua falta de clareza para a economia e ausência de visão do papel do Brasil no mundo pós-covid. Infelizmente, caso sua candidatura se confirme, mais dia menos dia sua vida pessoal será explorada e implodida por aqueles que ele apoiou em 2018.
Será lucro caso Doria ou Leite consiga a vaga de vice de um candidato apoiado pela direita ex-bolsonarista — agora representada no novo União Brasil, fusão de DEM e PSL — ou no PSD do cacique Gilberto Kassab. Ser tucano virou um fardo muito pesado há tempos. Os esqueletos se avolumaram ao longo dos anos até o partido se deparar com um vampiro capaz de sugar o que restava de seu sangue político sem qualquer temor.
Não, não estou falando de quem vocês pensam! Mais do que qualquer outro político, Bolsonaro foi o Conde Drácula do tucanato, que, de vítima, nada tem. Doria apenas ofereceu o já perfurado pescoço tucano de bandeja ao restante da direita ao romper com quadros históricos do PSDB, notadamente Geraldo Alckmin, responsável por ter levado o atual governador de São Paulo de volta à política quase 30 anos após comandar a Embratur no governo Sarney.
Alckmin, que sempre esteve à direita dentro do PSDB se comparado a quadros ainda mais históricos como FHC, Franco Montoro e Mário Covas, prepara-se para migrar para o PSD ou o União Brasil e disputar a sucessão de Doria. Em busca de um quinto mandato à frente do Palácio dos Bandeirantes, Alckmin será mais competitivo que o neotucano Rodrigo Garcia, vice-governador a ser apoiado por Doria na disputa pelo executivo estadual.
Com quase um quarto dos filiados oriundos de São Paulo, o PSDB terá sua morte anunciada no dia em que Alckmin deixar o partido e levar consigo seus correligionários. No Congresso, os tucanos viraram linha auxiliar do bolsonarismo, o que aumenta as chances de o vencedor das prévias ser rifado pelo partido.
Sem base social sólida, um partido ou movimento político não sobrevive. Até hoje, há quem considere o PSDB um "partido de quadros" — só se forem quadros na parede, cobertos pela poeira de um tempo em que defender a combinação de uma economia de mercado com uma ambiciosa agenda social ainda dava votos.
Era essa a terceira via do fim dos anos 1990, simbolizada sobretudo pelo novo trabalhismo de Tony Blair, no Reino Unido. No plano doméstico, era vendida como uma globalização econômica com uma face humana, o centro político-econômico possível no mundo pós-Guerra Fria. As contradições de uma aparente interdependência em escala planetária gerou uma massa de deserdados que encontrou amparo no populismo de direita.
No Brasil, não seria diferente. O espaço para uma alternativa de centro se fecha. Não se equipara aqui as limitações da experiência do PT ao genocídio bolsonarista. Dito isso, temos um fato político: Lula e Bolsonaro ocupam, respectivamente, os espaços da esquerda e da direita. Goste-se disso ou não, é a realidade atual. O resto é wishful thinking.
Sem qualquer trocadilho, esperar que uma eventual terceira via saia do PSDB equivale, portanto, a acreditar em família de comercial de margarina ou tirar leite de pedra.
* Vinícius Rodrigues Vieira é doutor em relações internacionais por Oxford e leciona na Faap e em cursos MBA da FGV.
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