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Deputado bolsonarista escancara a corrupção normativa do governo

21.nov.2018 - Delegado Waldir participa de reunião do PSL, no Hotel Melia em Brasília - FÁTIMA MEIRA/FUTURA PRESS/ESTADÃO CONTEÚDO
21.nov.2018 - Delegado Waldir participa de reunião do PSL, no Hotel Melia em Brasília Imagem: FÁTIMA MEIRA/FUTURA PRESS/ESTADÃO CONTEÚDO

Colunista do UOL

21/11/2021 09h24

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* Cesar Calejon

O bolsonarismo ascendeu na esteira da operação Lava Jato, o conluio jurídico-midiático que avançou a falácia do "combate à corrupção" no Brasil, sobretudo, entre os anos de 2016 e 2018, quando Jair Bolsonaro foi eleito à chefia do Executivo e Sergio Moro assumiu como o seu ministro da Justiça.

Para os mais incautos, Moro e Bolsonaro traziam um ar de esperança considerando o fim da corrupção no país, como se esta não fosse uma dimensão endêmica, histórica e cultural do nosso desenvolvimento enquanto nação e pudesse ser aniquilada por apenas duas pessoas em um período curtíssimo.

Três anos depois, o deputado federal Delegado Waldir (PSL-GO), que prometera "implodir o governo" e chamou o presidente de "vagabundo", traz ao escrutínio público a corrupção normativa que rege, não somente o funcionamento do governo Bolsonaro, mas toda a estrutura parlamentar do Congresso Nacional sob o atual presidente.

Em entrevista para a coluna, Guilherme Howes, antropólogo e professor universitário, afirma que "o discurso anticorrupção é, historicamente, uma pauta política constante. Por diferentes vieses, ele está mais ou menos presente em praticamente todos os matizes ideológicos: no discurso moralista anticorrupção e do restabelecimento higienista da ordem da Alemanha de Hitler, na expressão 'mar de lama' utilizada pelos opositores do presidente Getúlio Vargas, com Jânio Quadros distribuindo vassourinhas para seus eleitores durante a campanha presidencial de 1960, com a eleição de Collor, o 'Caçador de Marajás etc.'".

Para o antropólogo, é preciso ressaltar que a ideia de corrupção só é inteligível dentro de um contexto republicano, porque a noção de público é nevrálgica neste contexto e a percepção das 'coisas' (do latim rés) como pertencentes a um todo abstrato, isto é, o público, é a ideia central.

Ainda de acordo com ele, "em nosso tempo, estou convencido de que passamos qualitativamente a um certo 'outro estágio' de agenda anticorrupção. É um salto qualitativo na medida que passa do discurso à prática, do nível retórico ao nível da ação. A síntese acabada dessa hipótese de trabalho é o que Bolsonaro declarou no dia 7 de outubro de 2020, dizendo que acabou 'com a Lava Jato, porque não tem mais corrupção no governo'. Somente será corrupção aquilo que os adversários, no caso do governo Bolsonaro, os inimigos, fazem. E como isso acontece? Eu explico. É tão simples quanto óbvio. Contemporaneamente, ela (a corrupção) se torna normativa e assim deixa de ser combatida. Ela é transformada na própria regra. O crime se institucionaliza, em vez de ser combatido".

Trata-se da corrupção enquanto norma, conceito teórico de corrupção normativa ao qual o professor Howes se refere e que o deputado federal Waldir Soares de Oliveira, do PSL, demonstrou minuciosamente ao site The Intercept na prática: R$ 10 milhões em emendas do orçamento secreto para cada deputado que votasse em Arthur Lira (PP-AL) para a presidência da Câmara dos Deputados. Segundo o deputado, o Bolsolão, como foi intitulado esse esquema de compra de votos do governo Bolsonaro, também se aplicou em outras ocasiões, como a reforma da Previdência.

Em uma confissão estarrecedora, o bolsonarista diz "ter recebido a oferta de R$ 10 milhões em emendas em troca do voto em Lira. Pode ter sido até mais. Waldir, em dado momento da conversa, disse que outros R$ 10 milhões foram acordados no mesmo período, mas ele não soube precisar se também em troca do voto em Lira ou da aprovação de algum outro projeto à época", segundo a reportagem, na qual se afirma, categoricamente: "quem manda no governo hoje é o (Arthur) Lira. Não é o Bolsonaro, é o Lira".

Vale ressaltar que, em vez do que aconteceu com os escândalos do Mensalão e da Lava Jato, o depoimento do deputado bolsonarista não foi obtido por meio de coerções ou delações premiadas. O delegado Waldir decidiu expor o que sabe, ao que tudo indica, por motivos relacionados a exigências orçamentárias e de ordens pessoais.

Cabe agora, portanto e novamente, aos órgãos competentes (PGR e MPF) tomar as devidas ações investigativas e à parcela da população que bradou o fim da corrupção em 2016 sair às ruas para exigir que a justiça seja feita, certo? Sim, mas é pouquíssimo provável que isso aconteça, de fato. Como sabemos, esse nunca foi o motivo principal da indignação pública, já que, sob o nosso modelo de democracia e sociabilidade, a corrupção é uma norma naturalizada de organização social, principalmente no governo Bolsonaro.

* Cesar Calejon é jornalista, com especialização em Relações Internacionais pela FGV e mestrando em Mudança Social e Participação Política pela USP (EACH). É escritor, autor dos livros A Ascensão do Bolsonarismo no Brasil do Século XXI (Kotter) e Tempestade Perfeita: o bolsonarismo e a sindemia covid-19 no Brasil (Contracorrente).