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Bolsonaro se casa com o Centrão de olho nos evangélicos

Bolsonaro discursa em evento de filiação ao PL - Reprodução/YouTube
Bolsonaro discursa em evento de filiação ao PL Imagem: Reprodução/YouTube

Colunista do UOL

30/11/2021 12h13

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* Vinícius Rodrigues Vieira

Jair Bolsonaro se casou e não foi com o Aristides. O escolhido foi o Valdemar ou, melhor dizendo, o Centrão. Confirmada nesta terça (30) sua filiação ao Partido Liberal (PL), o presidente ajoelha-se no altar do fisiologismo que se assumiu de ultradireita e, assim, espera reter o eleitorado evangélico para se manter no Planalto ou, mais provavelmente, dar sobrevida ao bolsonarismo nos anos vindouros. Não é coincidência, portanto, que a filiação ocorra, justamente, no Dia do Evangélico, celebrado neste 30 de novembro, que é feriado em Brasília.

Valdemar é Valdemar Costa Neto, presidente do PL e condenado no escândalo do Mensalão. Identificado com as práticas corruptas que tanto prometia combater, o bloco é o que restou a Bolsonaro para tentar a reeleição. Dono da terceira maior bancada da Câmara, o PL é o principal representante desse bloco para o qual todos aqueles que ambicionam o Planalto tapam o nariz, mas não hesitam em estender a mão.

O que é menos conhecido é o fato de o PL ter 15 deputados da Frente Parlamentar Evangélica do Congresso Nacional. Segundo dados da Câmara dos Deputados, 195 dos 513 membros da casa do povo integram a frente. Não está claro se todos os integrantes da frente são evangélicos ou se apenas simpatizam com denominações religiosas assim definidas. Porém, dos partidos que integram essa "bancada evangélica", o PL ocupa apenas a quarta posição no ranking de membros.

O partido com mais evangélicos e simpatizantes é o PSD, liderado por Gilberto Kassab (28 deputados), seguido pelo Republicanos (23 deputados), controlado pela Igreja Universal do Reino de Deus. Completa o top 3 do ranking a antiga casa do presidente, o PSL (com 17 integrantes). O partido está em fusão com o DEM para formar o União Brasil, que busca candidatura própria ao Planalto, e ainda tem parlamentares bolsonaristas que devem seguir o presidente rumo ao PL.

Como o PSD se deslocou do governo e pretende lançar o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, à presidência e o Republicanos não aceitaria Bolsonaro mandando e desmandando em seus quadros, restou ao presidente — egresso do PSL — manter a ligação com a base evangélica via PL. Tal movimento é crucial num momento em que cristãos lavajatistas podem migrar para a candidatura de Sergio Moro, enquanto os mais pragmáticos e que sofrem economicamente com a crise devem buscar Lula.

Não que o PL — fisiológico, amorfo — não faça o tipo de Bolsonaro, sujeito a quem parece sempre ter faltado um propósito além da busca por poder e dinheiro, tendo chegado até mesmo a se aventurar em atividades de garimpo. O propósito de vida do presidente consiste em fazer do Brasil terra explorada e, portanto, arrasada. Mais Centrão que isso, impossível.

Em entrevista de 2017 para Felipe Moura Brasil, no site O Antagonista, Olavo de Carvalho, o guru do bolsonarismo, já tinha cantado a bola para o problema que seria a falta de vocação entre os brasileiros. "A vocação é uma coisa principal na vida, porque a maior parte do seu tempo, você vai gastar trabalhando, tá certo? Então, se você não está realizado no seu trabalho, você não vai se realizar em parte alguma (...) Isto é a vocação: é aquilo que é mais importante que você, aquilo pelo qual você morreria, tá certo? Como Cristo na cruz", disse Carvalho por volta do minuto 46 da entrevista.

O "filósofo" prossegue: "Uma coisa que eu achei estranho é o seguinte: [Martinho] Lutero [líder da Reforma Protestante] tem toda uma teologia da vocação. E eu achei que, quando entrassem essas igrejas evangélicas no Brasil, elas iam trazer isso e ensinar para as pessoas a importância da vocação. Nunca vi nenhuma igreja evangélica falar disso".

Carvalho faz uma generalização bastante imprópria para um grupo heterogêneo como os evangélicos, mas não tenho dúvidas de que Bolsonaro, Valdemar e outros membros do Centrão dificilmente leram Lutero. Apenas ambicionam os votos dos seguidores de Cristo na cruz. Por incrível que pareça, Olavo tem alguma razão: falta-nos vocação — nem que seja para nos livrarmos dos exploradores da fé e da esperança do povo.

* Vinícius Rodrigues Vieira é doutor em relações internacionais por Oxford e leciona na Faap e em cursos MBA da FGV.