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Na Rússia, Bolsonaro será um peão nas mãos dos líderes globais
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* Cesar Calejon
Desde que assumiu a Presidência da República, Jair Bolsonaro vem utilizando a política externa brasileira como mais um mero instrumento político para defender os seus objetivos pessoais — que ele sequer tem clareza objetiva de quais sejam — em detrimento dos interesses estratégicos de todo o país junto à sociedade internacional. A sua viagem à Rússia na iminência de um conflito que se desenha na Ucrânia oferece mais uma etapa deste processo.
Em meio à maior reformulação geopolítica global desde o fim da Guerra Fria, durante a qual China e Russa organizam-se para estabelecer um novo sistema econômico mundial que não seja indexado pelo dólar, o que, naturalmente, os Estados Unidos querem evitar a qualquer custo, o Brasil encontra-se no cerne da disputa e à mercê de um governo absurdamente desorientado, suscetível a todos os tipos de manipulações por parte de líderes mais inteligentes e preparados.
Acreditando que defende os seus próprios interesses, Bolsonaro é o tipo de presidente que serve aos objetivos alheios, indiscriminadamente, sem ter a mínima consciência do que faz. Foi assim com Donald Trump, que conseguiu arrancar absolutamente tudo o que quis do presidente brasileiro sem sequer ceder algo em troca, e será assim com Vladimir Putin, que, não por acaso, receberá Bolsonaro nesta terça (15), em meio ao ápice das tensões entre os principais países da Ásia e a Otan (Organização do Tratado do Atlântico Norte).
Ao longo da última década, ONGs ocidentais atuaram na Ucrânia no sentido de desestabilizar os governos que não lhes interessavam. Victoria Nuland, subsecretária de Estado para a Europa Oriental, por exemplo, era muito ativa no apoio à mudança do governo e o então senador estadunidense John McCain foi visto em manifestações com líderes extremistas, incluindo alguns neonazistas locais. Carl Gershman, presidente da National Endowment for Democracy, fez discursos muito enfáticos, defendendo uma Ucrânia "independente". Notoriamente, outros bilionários ocidentais também se envolveram em questões similares.
Em 2014, esses esforços resultaram no que ficou conhecido como a "Revolução Ucraniana": mais uma espécie de "revolução colorida", como tantas outras que aconteceram em diferentes partes do planeta, inclusive no Brasil, a qual acabou resultando na ascensão do bolsonarismo, despropositadamente.
Por sua vez, ao que tudo indica, o Kremlin reagiu influenciando as eleições estadunidenses de 2016 a favor de Trump, que, de fato, venceu o pleito. Ou seja, existe um jogo geopolítico global que já seria extremamente complexo para os líderes e governantes mais preparados. Imagine para uma figura limítrofe e despreparada como Jair Bolsonaro.
Na visita ao presidente russo, a ala militar do bolsonarismo espera fechar a compra de um sistema de mísseis antiaéreos, o Pantsir-S1, na expectativa de que Putin ofereça a tecnologia de sistemas de combate a drones e ataques cibernéticos. Extremamente hábil, contudo, o líder russo, caso aceite assim fazê-lo, deverá manipular o presidente brasileiro de todas as formas possíveis, incluindo, sobretudo, questões referentes à Ucrânia, o que vai contra a lei brasileira.
Conforme prevê a Constituição de 1988, em seu Art. 4º, a República Federativa do Brasil rege-se nas suas relações internacionais pelos seguintes princípios: "I - independência nacional; II - prevalência dos direitos humanos; III - autodeterminação dos povos; IV - não-intervenção; V - igualdade entre os Estados; VI - defesa da paz; VII - solução pacífica dos conflitos; VIII - repúdio ao terrorismo e ao racismo; IX - cooperação entre os povos para o progresso da humanidade; X - concessão de asilo político".
Assim, na tentativa de ganhar alguma relevância no cenário internacional e de defender o pouquíssimo capital político que ainda lhe resta para garantir a sua participação no segundo turno das eleições presidenciais de outubro, Bolsonaro deverá se apresentar novamente como um peão, a ser movido pelas mãos dos estrategistas mais habilidosos da geopolítica global, sob o custo de atropelar a lei que rege a formulação da política externa brasileira.
* Cesar Calejon é jornalista, com especialização em Relações Internacionais pela FGV e mestrando em Mudança Social e Participação Política pela USP (EACH). É escritor, autor dos livros A Ascensão do Bolsonarismo no Brasil do Século XXI (Kotter) e Tempestade Perfeita: o bolsonarismo e a sindemia covid-19 no Brasil (Contracorrente).
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