Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.
Neutralidade de Bolsonaro sinaliza apoio de Putin a sua reeleição
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* Vinícius Rodrigues Vieira
O Chefe de Estado finalmente falou e, tal como era esperado, não saiu de seus lábios coisa boa. Como a ele cabe a função constitucional de conduzir a política externa, o Brasil está oficialmente neutro na guerra empreendida pela Rússia contra a Ucrânia. Porém, como Jair Messias Bolsonaro fez de nossas relações exteriores um puxadinho de seu projeto de poder, só posso concluir que tal postura decorre de um muito provável apoio do presidente russo Vladimir Putin a sua reeleição. Várias evidências apontam para a interferência direta do Kremlin em processos democráticos nos últimos dez anos.
Não que outro presidente que ocupasse o Planalto num contexto como o atual viesse a tomar partido numa disputa como essa. Qualquer movimento de apoio incondicional à Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) e da União Europeia (UE) na oposição a Moscou no conflito poderia cobrar um preço mais elevado que aquele que estamos dispostos a pagar. Dependemos de fertilizantes russos para movimentar nosso agronegócio -- base eleitoral que é chave para a reeleição de Bolsonaro. Além disso, ninguém sabe se a guerra vai se expandir ou durar anos.
Sim, caro leitor: podemos estar na antessala de uma Terceira Guerra Mundial. Negar isso seria leviano à luz das evidências, ainda mais depois da escalada de membros da OTAN, ao fornecerem ajuda militar bilateral à Ucrânia, e da imposição de duras sanções econômicas. Em seguida, Putin elevou à enésima potência a aposta de enquadrar o Ocidente e colocar sobre a mesa a opção nuclear. A UE, por sua vez, respondeu fornecendo caças a Kiev. O próximo lance pode ser o estopim de algo pior.
Dito tudo isso, Bolsonaro parece ser um entusiasta de Putin, antiglobalista tal e qual o colega brasileiro. O presidente da República minimizou o sofrimento do povo ucraniano ao falar que Putin "não quer promover um massacre". Ademais, ecoou o imperalismo de Moscou ao afirmar erroneamente que, na Ucrânia, a maioria da população fala russo -- apenas cerca de 30% possui esse idioma como língua nativa.
Na argumentação torpe de Bolsonaro, russos e ucranianos seriam povos praticamente irmãos -- do que se conclui que o presidente apoia a subordinação dos últimos aos primeiros. Se eu fosse cidadão de um país vizinho ao Brasil e ouvisse isso, ficaria com medo de encarar uma invasão de Brasília num futuro próximo.
Não há contradição alguma em apoiar resoluções da ONU contra a guerra, fundamentando-se nos princípios da soberania e indivisibilidade da segurança internacional, e adotar uma postura de neutralidade no sentido de não ajudar nenhum dos lados com armas e outros insumos necessários ao combate. O Brasil sabe de seus limites -- não é uma grande potência e, portanto, neste estágio, arriscaria seus interesses de longo prazo como país emergente caso se indisponha em definitivo com qualquer um dos players que, de fato, dão as cartas na política internacional.
Prescindir do status de "mestre do universo", porém, não nos deveria tornar automaticamente covardes. Bolsonaro faz tudo na diplomacia pensando exclusivamente em seu projeto de poder. Alinhou-se aos Estados Unidos apenas por causa de Donald Trump. Hoje, sem maiores pudores, opõe-se a Washington de modo inapropriado a nossos interesses de longo prazo, sobretudo nas áreas econômica e ambiental.
Já escrevi neste espaço que é melhor enfrentar o fascismo, pois o custo de tolerá-lo pode ser bastante elevado. Boa parte dos ciberataques contra a Justiça Eleitoral tem origem na Rússia. Numa guerra de impacto mundial, tal premissa ganha força. Mesmo em ano eleitoral, não seria descabido reconsiderar o impedimento constitucional do presidente em hora tão tenebrosa. Falta-nos, porém, a força dos ucranianos que não querem ser escravos de nenhum império ou protoditador, mas livres para fazer o que quiserem de seu destino na política doméstica e internacional.
* Vinícius Rodrigues Vieira é doutor em relações internacionais por Oxford e leciona na Faap e em cursos MBA da FGV.
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