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Crítica de artistas a Bolsonaro levanta debate sobre estratégia nas redes

Anitta no Coachella. Redes bolsonaristas têm se apropriado de críticas de artistas como ela para gerar engajamento. - Rich Fury/Getty Images for Coachella
Anitta no Coachella. Redes bolsonaristas têm se apropriado de críticas de artistas como ela para gerar engajamento. Imagem: Rich Fury/Getty Images for Coachella

Colunista do UOL

22/04/2022 06h06

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* Raul Galhardi

Uma série de manifestações políticas contra o presidente Jair Bolsonaro (PL) por parte de artistas em festivais e shows nas últimas semanas tem chamado a atenção do meio político, principalmente dos defensores do atual governo. Ataques a esses artistas e tentativas de apropriação das críticas têm se proliferado nas redes sociais bolsonaristas.

Na última semana, a cantora Anitta, que chegou à primeira posição no Spotify Global com a música "Envolver" e que há tempos faz críticas a Bolsonaro, apresentou-se no Coachella, principal festival de música pop dos Estados Unidos, usando as cores verde e amarelo da bandeira do Brasil e defendeu nas redes sociais que elas não podem ser apropriadas por indivíduos ou grupos políticos.

Fãs da cantora esperavam que ela se manifestasse claramente contra o presidente no palco do Coachella, assim como fizeram alguns artistas no festival Lollapalooza Brasil. Neste evento, os gritos de "Fora Bolsonaro" permearam os seus três dias de duração, em muitos casos apoiados pelos músicos que se apresentavam. Figuras como Pabllo Vittar, Emicida, Clarice Falcão, Marina — britânica que usava o nome de Marina and the Diamonds — e a banda Fresno fizeram críticas ao presidente e alguns declararam apoio ao ex-presidente Lula (PT), o que acabou fazendo viralizar o termo "#lulapalooza" nas redes sociais.

Segundo Anitta, os apoiadores de Bolsonaro mudaram a estratégia nas redes e por isso ela decidiu não citar o seu nome em protesto. Em resposta no Twitter à sugestão de um seguidor de colocar uma montagem do presidente como Adolf Hitler no telão do seu próximo show nesta semana, ela disse: "É que a estratégia deles agora mudou. Eles estão com uma equipe de redes sociais mais jovem e descolada para justamente passar essa imagem dele, fazer o público esquecer as merdas com piadas e memes da internet que faça o jovem achar que ele é um cara maneirão, boa praça".

"Então, nesse momento, qualquer manifestação contra ele por meio dos artistas vai ser revertido em forma de deboche pelas mídias sociais dele. Assim o artista vira o chato mimizento e ele o cara bacana que leva tudo numa boa", continuou.

De acordo com a cantora, isso aumentaria a popularidade do presidente nas redes. "As pessoas acabam esquecendo o que realmente importa, que é a forma como o país está caminhando, para votar pela identificação de fã que você tem pela pessoa. Aquela sensação de: queria ser amigo dele... logo, você votaria no seu amigo gente boa. E por aí vai a estratégia."

"Já passa a ser mídia boa quando você cita o nome dele, não faz diferença se você citou de forma negativa ou positiva", disse ela ainda. "Porque quanto mais você cita de forma negativa, mais mídia ele alcança e usa essa mídia para destinar ao que ele quer. Já usei essa estratégia algumas vezes por isso sei bem o que está rolando (risos)."

A funkeira diz que percebeu a suposta nova estratégia ao observar stories de apoiadores de Bolsonaro que usavam músicas de artistas críticos a ele no fundo dos vídeos ao falarem do governo. "Agora a estratégia do lado oposto precisa ser citar o nome dele o menos possível. Eu trocaria o slogan 'Fora Fulaninho' para 'Muda Brasil' ou algo que desvincule completamente a narrativa do nome dele."

Após resposta irônica de Bolsonaro no Twitter dizendo "concordo com a Anita", a artista retrucou na plataforma dizendo "ai garoto vai catar o que fazer vai". Depois disso, o presidente foi bloqueado na rede pela cantora. "Meti logo um block para esses adms não ficarem usando minhas redes sociais para ganhar buzz na internet", disse ela em tuíte.

O voto jovem

Essas manifestações contra o presidente por parte de artistas se inserem num contexto que envolve ações recentes de estímulo para que os jovens de 16 e 17 anos obtenham título de eleitor. Personalidades como Anitta, Pablo Vittar e Felipe Neto, além do próprio TSE (Tribunal Superior Eleitoral), têm realizado apelos para que os adolescentes tirem o documento e votem na próxima eleição. O voto nessa faixa etária, que hoje representa cerca de 10 milhões de pessoas, é facultativo.

De acordo com informações do FGV DAPP (Diretoria de Políticas Públicas da Fundação Getulio Vargas), entre os dias 1º de março e 6 de abril, foram identificadas 287,7 mil postagens no Twitter com hashtags convocando a participação de jovens nas próximas eleições.

A campanha pelo alistamento eleitoral dos jovens parece estar surtindo algum efeito. Segundo dados do TSE, o número de jovens que buscaram os Tribunais Regionais Eleitorais para a emissão do documento subiu. O alistamento na Justiça Eleitoral entre jovens registrou um salto de 45,63% no mês de março, quando comparado a fevereiro.

O número de novos títulos foi de 199.667 em fevereiro para 290.783 em março. Apesar disso, segundo a Corte Eleitoral, 2022 é um dos anos de menor emissão de títulos da história. Em 2012 aconteceram mais de 4 milhões de pedidos de emissão do título entre pessoas de 15 a 18 anos. Já em 2022, havia 854 mil até 21 de março. O número também é inferior ao registrado em 2020, ano da última eleição, quando ocorreram 1,36 milhão de solicitações.

Reação bolsonarista nas redes

Tanto a campanha pelo voto jovem quanto as críticas feitas por personalidades públicas ao presidente têm preocupado os defensores de Bolsonaro, o que gerou respostas nas redes pró-governo. A deputada Carla Zambelli (PL-SP) foi uma das críticas ao movimento liderado pelos artistas. "Esses artistas não falam de outra coisa a não ser atacar a escolha da maioria do povo, é um presidente eleito, e divulgar a imagem de um criminoso descondenado", afirmou ela, informa o jornal Estado de S. Paulo, em referência ao ex-presidente Lula.

Analisando especificamente as manifestações em relação a Anitta, as reações contra a cantora no Twitter e nas comunidades bolsonaristas de Telegram "Bolsonaro 2022 - Grupo de Apoio!" (com 25.994 pessoas) e "OS PATRIOTAS BR CANAL OFICIAL" (com 826 indivíduos) variaram de ataques e tentativas de desqualificação de sua primeira posição conquistada no Spotify até a apropriação da manifestação contra o presidente, ação realizada inclusive pelo próprio Bolsonaro de forma irônica.

As apropriações continuaram com a criação de memes por parte dos seguidores do presidente.

Anitta-memes - Reprodução - Reprodução
Memes bolsonaristas provocam a cantora Anitta
Imagem: Reprodução

Um deles editou uma imagem como se Anitta estivesse atacando Lula dizendo "Lula ladrão, seu lugar é na prisão".

meme anitta - Reprodução - Reprodução
Memes bolsonaristas contra Anitta
Imagem: Reprodução

Fora das tentativas de apropriação, diversos ataques foram feitos a Anitta. Um deles tenta desqualificar seu destaque no Spotify, sustentando que a plataforma estaria investigando uma denúncia de fraude contra a artista.

Meme bolsonarista provoca Anitta - Reprodução - Reprodução
Imagem: Reprodução

Já em relação à campanha pelo alistamento eleitoral dos jovens, com a aproximação do fim do prazo para a emissão de novos títulos eleitorais, influenciadores e políticos bolsonaristas criaram a campanha "Sou Jovem, Sou Bolsonaro". Em reposta ao pedido de Anitta para que os jovens tirem o documento, a deputada Carla Zambelli postou na época que "os jovens votarão no Presidente @jairbolsonaro!".

A ação dos defensores do presidente contou com a participação de deputados federais, como Bia Kicis (PL-DF), Zambelli, a deputada estadual Ana Caroline Campagnolo (PL-SC) e o vereador por Belo Horizonte Nikolas Ferreira (PL-MG), muito influente nas redes sociais. Em um dos vídeos compartilhados pelo mineiro, influenciadores convocam os jovens para que eles tirem o título de eleitor e criticam a campanha promovida pelo TSE e pela esquerda.

"Nós temos visto pessoas públicas usarem da sua influência para corromper a nossa fé", diz um dos trechos da publicação de que Nikolas participa. "Figuras que desprezam a imagem de um Criador, repudiam a Bíblia e atacam a família. Esses artistas estão usando a sua inocência e inexperiência de jovem adolescente para articular seus planos maléficos esquerdistas. Nós já nos posicionamos na linha de frente para essa guerra. O Exército já está posto e não vamos recuar. Nós te convocamos para fazer parte disso."

Se por um lado seriam verdadeiras as observações de Anitta sobre a mudança de estratégia nas redes dos bolsonaristas e evitar citar Bolsonaro diretamente seria um melhor caminho para evitar contribuir com a sua popularidade (o chamado "não alimente os trolls"), já que os algoritmos das redes dão mais destaque para os termos de acordo com a quantidade em que são citados, sem se preocuparem muito com o teor da citação, o que acaba incentivando conteúdos de ódio pelo seu teor polêmico que gera discussões, por outro lado é fácil perceber, como demonstrado acima, que, independentemente da citação ao presidente ter ocorrido ou não, o controle sobre a sua mensagem foi perdido.

No caso, o fato de a cantora ter usado as cores do Brasil, atualmente associadas a manifestações de direita, e de não ter se manifestado claramente contra Bolsonaro foi uma ação que pôde ser facilmente descontextualizada e utilizada para um propósito oposto ao do que se pretendia. Ao se dizer claramente "Fora Bolsonaro", por exemplo, pode-se até cair na crítica "mimizenta" (usando os termos de Anitta), que, segundo ela, é aproveitada pelos bolsonaristas para mostrar como o presidente é "descolado". Porém, sem uma mensagem clara daquilo que se pretende dizer, torna-se mais fácil estar sujeito a manipulações.

Além da questão dos algoritmos, a artista argumenta que seus fãs já conhecem muito bem suas posições, o que tornaria desnecessária uma referência ao presidente. No entanto, o grau de influência de Anitta possui escala mundial e atinge inclusive pessoas que não acompanham a sua carreira.

Essa discussão sobre o poder de influência de manifestações, sejam de indivíduos com alto grau de influência, caso de Anitta, sejam de grupos políticos, e de como elas podem gerar resultados opostos ao do que se pretendia alcançar não é nova. Em 2018, por exemplo, o #EleNão, organizado pelo movimento "Mulheres contra Bolsonaro", surgiu e cresceu nas redes e no dia 29 de setembro, antes do primeiro turno das eleições, tomou as ruas de diversas cidades em todo o país em manifestações contra o então candidato.

Segundo o Labic (Laboratório de Estudos sobre imagem e Cibercultura) da UFES (Universidade Federal do Espírito Santo), no Facebook, eventos que convocavam protestos contra o candidato do PSL se multiplicaram na véspera do dia 29: ao menos em 18 capitais e em outras 65 cidades havia registro de mobilização. Foram identificados um total de 299 eventos "Contra Bolsonaro". Cerca de 195 destes eventos aparentavam ser ligados diretamente ao movimento.

O protesto foi considerado a maior manifestação de mulheres da história do Brasil e o #EleNão alcançou segmentos que não estavam vinculados ao debate cotidiano sobre questões de gênero, inclusive personalidades famosas que não costumavam se manifestar politicamente.

No dia seguinte, bolsonaristas realizaram manifestações a favor do seu candidato em diversas cidades do país em resposta aos protestos do #EleNão. Como reflexo desse movimento, também teve início nas redes um movimento pró-Bolsonaro, amparado nas hashtags #elesim e #mulherescombolsonaro, que, segundo o Labic, não teve tanto engajamento quanto a campanha contrária.

No entanto, após o calor do momento, setores da esquerda fizeram avaliações de que o movimento das mulheres pode ter acabado fortalecendo Bolsonaro. Difícil afirmar isso, mas qual seria a alternativa? Não se manifestar com medo de apropriações ou de que o "outro lado" se fortaleça? Essa não parece ser uma boa opção, seja pela autocensura que ela gera, estimulando a inação, seja pelo fato de que é muito difícil prever os resultados de manifestações na realidade.

Um exemplo de crítica ao presidente que acabou sendo apropriada pelos seus simpatizantes em forma de deboche foi a capa da IstoÉ publicada em 13 de novembro de 2020 em que Bolsonaro aparece como o personagem "Coringa". A revista, que acusava o presidente de ser "inconsequente, irresponsável e insano", acabou viralizando nas redes sociais bolsonaristas, que cunhou o termo #bolsoringa usado em tom jocoso contra o que seus participantes consideravam a "mídia esquerdista".

Meme bolsoringa - Reprodução - Reprodução
Imagem: Reprodução

A capacidade das redes bolsonaristas de transmitir grandes quantidades de informações para diversos fins, entre eles promover a desinformação, é enorme e já foi vista nas eleições de 2018. É nas redes em que Bolsonaro ainda reina e onde a esquerda patina.

Devido aos bloqueios que foram realizados no WhatsApp pela Justiça em diversas ocasiões, além dos boatos que de tempos em tempos se espalham dizendo que ele será bloqueado, muitas pessoas acabaram descobrindo e passaram a usar o Telegram.

Com a migração dos defensores do presidente para plataformas como essa, que, ao contrário do WhatsApp, permite a existência de comunidades sem limite de quantidade de usuários (a comunidade oficial de Bolsonaro, "Jair M. Bolsonaro 1", por exemplo, tem 1,3 milhão de indivíduos) e com a Justiça Eleitoral tendo feito muito pouco desde as últimas eleições em termos de combate à desinformação, o festival de ataques e "fake news" circulando pelos apps de mensagens continuará e provavelmente se intensificará durante as eleições. Se a população brasileira aprendeu de 2018 para cá e está preparada agora para lidar com esse cenário é o que descobriremos.

* Raul Galhardi é jornalista e mestre em Produção Jornalística e Mercado pela ESPM-SP