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Atraso no Censo enfraquece pesquisas eleitorais, diz especialista

Pesquisas de intenção de voto mostram que homens evangélicos continuam com Bolsonaro, mas as mulheres estão praticamente divididas entre Lula e o presidente - BBC
Pesquisas de intenção de voto mostram que homens evangélicos continuam com Bolsonaro, mas as mulheres estão praticamente divididas entre Lula e o presidente Imagem: BBC

Colunista do UOL

22/08/2022 09h01

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* Vinícius Rodrigues Vieira

"Todas as pesquisas domiciliares do IBGE ficaram prejudicadas com a falta da contagem da população em 2015 e o adiamento do Censo, inicialmente previsto para 2020. Evidentemente, isto torna as pesquisas eleitorais também defasadas e com perda de acurácia se utilizam a amostra mestra do instituto". Assim o demógrafo José Eustáquio Diniz Alves, professor da Escola Nacional de Ciências Estatísticas do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), define as limitações dos levantamentos de intenção de voto do pleito deste ano.

Alves ecoa aquilo que já havia sido alertado em abril de 2021 por Roberto Olinto, presidente do IBGE entre 2017 e 2019. Se em 2020 os pesquisadores do IBGE não puderam ir à campo por causa da pandemia de covid-19, no segundo semestre do ano passado o Censo já poderia ter sido realizado.

O impacto da falta de dados recentes sobre a população do país como um todo sobre pesquisas de opinião — inclusive as eleitorais — é simples: quando desenham a amostra a ser entrevistada, as empresas que fazem levantamentos estatísticos acabam por tomar como parâmetro o Brasil de 2010 — não do de 2022, ainda a ser descoberto pelos recenseadores que, desde o começo de agosto, estão nas ruas para ir aos domicílios de todo o país.

"Os dados do censo 2010 estão totalmente defasados, pois houve muitas mudanças no Brasil nos últimos 12 anos. Tivemos a maior recessão da história brasileira entre 2014 e 2016 e depois tivemos a maior pandemia que elevou as taxas de mortalidade e reduziu as taxas de natalidade. Tudo isto afetou o mercado de trabalho, a educação e a renda", resume o professor Alves.

Para entender como os estatísticos que participam do desenho amostral de pesquisas de opinião lidam com essas limitações, a coluna entrou em contato com empresas que fazem pesquisas eleitorais desde julho.

"A ausência de Censo em 2020 é realmente um desafio para os institutos de pesquisas. Utilizamos cotas de sexo, idade e localidade nas pesquisas nacionais, além de controle de instrução e renda. Também incorporamos a pergunta de recall de voto na eleição anterior, minimizando eventuais desvios do perfil político-ideológico da amostra", explica a diretora executiva do Instituto de Pesquisas Sociais, Políticas e Econômicas (Ipespe), Marcela Montenegro

"Assim, para as cotas de sexo e idade, usamos os dados mais recentes do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Para instrução, estimativas com base no TSE e Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD). E para renda, também estimativas com base no Censo 2010 e PNAD", afirma Montenegro.

Monica Arruda, diretora executiva do Ipespe, discorda de Alves e diz que as pesquisas eleitorais deste ano não refletem o Brasil de 2010. "Não, de forma alguma. O retrato é atual porque se baseia em dados recentes do TSE e estimativas da PNAD que apesar de amostral é uma fonte absolutamente confiável. Como consta nos registros de pesquisas, a definição do desenho amostral, com representatividade do eleitorado, se baseia nos dados do TSE para sexo, idade e instrução, e na PNAD para as estimativas sobre renda", explica.

Segundo Anna Rangel, do PoderData, os dados do Censo 2010 e do TSE também são usados como parâmetro das amostras nas pesquisas do instituto, que realiza apenas levantamentos por telefone. O método também costuma ser empregado pelo Ipespe em seus levantamentos.

"A PNAD utiliza a amostra mestra retirada do Censo 2010. Desta forma, a própria PNAD está defasada (com viés de seleção, pois não representa mais com fidedignidade a população real atual)", pondera Alves, que também vê problemas no uso de dados do TSE, os quais, segundo ele, não seriam devidamente atualizados.

Religião

Um indício do quão crucial pode se revelar a falta de dados recentes do Censo está no impacto da afiliação religiosa nas preferências eleitorais, em particular nas intenções de voto para presidente da República. Isso porque, em 2010, o IBGE contou no Censo daquele ano uma proporção de 22,2% de evangélicos, segmento que apoia em massa o presidente Jair Bolsonaro (PL). O Datafolha, porém, indicava que, no fim de 2019, os evangélicos já chegavam a 31% da população.

"O último Censo foi feito em 2010. Fazem 12 anos. Então não temos dados suficientemente consistentes para utilizar a religião como variável de controle para as amostras. O que fazemos é perguntar a religião como variável para cruzamentos", explica Rangel, do PoderData.

Perante tais limitações, o Ipespe segue estratégia similar: "não há cota ou controle de religião nas amostras. Considerando que a amostra tem diversas outras variáveis com cotas e controladas, inclusive levantando-se recall do voto em 2018 — que, portanto, é uma amostra representativa do eleitorado —, então espera-se que a religião que se obtém nas respostas seja uma boa estimativa. Os institutos têm obtido entre 23/25% a 30/33% de evangélicos. Portanto, não acredito que haja prejuízo para o resultado das pesquisas", afirma Arruda.

Mesmo após a conclusão do Censo 2022, o Brasil ainda deve desconhecer com precisão o seu perfil religioso, pois o IBGE não inclui perguntas sobre religião no questionário básico, que, em tese, deve ser aplicado a cada um dos habitantes do país. A variável é considerada apenas no questionário amostral, que é respondido apenas por parcela dos entrevistados pelo instituto.

Alves não vê problema em excluir a religião das variáveis principais do Censo. "O questionário tem que ser o mais básico possível, pois existe uma regra na estatística que diz que 'em qualquer pesquisa se faz muitas perguntas somente para poucas pessoas e poucas perguntas para muitas pessoas'. Fazer muitas perguntas para muitas pessoas geralmente leva à perda de acurácia dos resultados", explica. "O mais importante do Censo é ter uma ótima cobertura da população com a real estrutura de sexo e idade, pois, se isto sair errado, todo o resto fica perdido", conclui.

Outros países também não incluem perguntas sobre religião no Censo. Os Estados Unidos coletam o dado apenas em algumas pesquisas amostrais — ainda assim, por determinação legal, a informação deve ser dada pelos entrevistados de forma voluntária. No Censo 2021 da Inglaterra e País de Gales, no Reino Unido, a afiliação religiosa foi também reportada apenas nos casos em que os entrevistados quiseram informar.

Num Brasil que, segundo estudo publicado em 2020 por Alves, os evangélicos devem ultrapassar os católicos como maioria religiosa em 2032, ter mais precisão sobre a dinâmica entre fé e política é crucial para entender não apenas as intenções de voto para outubro, mas o próprio futuro do país nas próximas décadas.

* Vinícius Rodrigues Vieira é doutor em relações internacionais por Oxford e leciona na Faap e em cursos MBA da FGV.