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Pesquisas apontam para 'eleição entediante', diz cientista político

30.ago.22 - O presidente Jair Bolsonaro em cerimônia no CNJ - ADRIANO MACHADO/REUTERS
30.ago.22 - O presidente Jair Bolsonaro em cerimônia no CNJ Imagem: ADRIANO MACHADO/REUTERS

Colunista do UOL

05/09/2022 09h38

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* Raul Galhardi

A cada semana surgem várias pesquisas eleitorais que vêm mostrando certa estabilização das intenções de voto nos principais candidatos a presidente, Lula (PT) e Bolsonaro (PL). O ex-presidente encontra-se estacionado na faixa acima de 40%, enquanto o atual mandatário apresentou leve crescimento, encontrando-se agora com cerca de pouco mais de 30% nos levantamentos feitos.

Esse cenário constitui aquilo que o cientista político Alberto Carlos Almeida, autor do livro recém-publicado "A mão e a luva: o que elege um presidente", chama de "eleição entediante". Segundo ele, desde que Lula assumiu a liderança, em junho do ano passado, a distância entre ele e Bolsonaro pouco tem oscilado e a tendência é que assim permaneça, com os votos se concentrando ainda mais nos dois primeiros candidatos na reta final da campanha.

"Essa pouca variação na intenção de voto ocorre porque os dois principais adversários são muito conhecidos. Um é o atual presidente e o outro é um ex-presidente, então as pessoas já sabem quem eles são", afirma.

Para o especialista, o mais importante elemento que deve ser observado para saber se as intenções de voto mudarão é a avaliação de governo. Em seu boletim "A avaliação de governo é determinante", Almeida mostra que a evolução temporal da avaliação positiva do governo Bolsonaro coincide com a evolução temporal da distância entre Lula e Bolsonaro.

"De acordo com a pesquisa CNT/MDA a soma de ótimo e bom do governo Bolsonaro era 26% em fevereiro, passou para 30% em maio e foi para 33% em agosto. Um aumento de sete pontos percentuais. A mesma pesquisa mostra que Lula estava, em fevereiro, 14 pontos à frente de Bolsonaro, essa vantagem caiu para nove e depois para oito. Ou seja, a distância entre os dois ficou seis pontos percentuais menor neste período. A rigor, considerando-se a margem de erro de qualquer pesquisa, o aumento da avaliação positiva em sete pontos e a redução da vantagem em seis pontos são rigorosamente iguais."

Ou seja, o que mais influencia o voto, de acordo com o analista, não é a comunicação dos candidatos, mas sim a avaliação do governo. "Em todo esse período Bolsonaro ocupou a mídia sem cessar, Lula falou do aborto, Anitta mobilizou os jovens ao apoiar Lula e muitas outras coisas aconteceram. O fato é que o acontecimento determinante para o encurtamento da distância entre os dois candidatos foi a melhoria da avaliação do governo Bolsonaro", explica.

A questão fundamental, portanto, é saber o que causou a melhoria do "ótimo e bom". Descobrir se foi o retorno pleno das atividades econômicas após a pandemia ou se foram vários fatores conjugados como o pacote de medidas governamentais para a economia que incluiu a redução do preço dos combustíveis e o Auxílio Brasil.

Nessa entrevista para a coluna, Almeida fala sobre os principais fatores que influenciam o voto; a importância dos debates e das campanhas no rádio, na TV e nas redes sociais; a possibilidade de golpe no país; e o que pode mudar ainda até o dia das eleições. Leia abaixo os principais trechos da conversa:

- O senhor vem falando há muito tempo que esta é uma "eleição entediante" porque, de um ano para cá, aproximadamente, há pouca variação de intenções de votos nas pesquisas. Na sua avaliação, por que isso ocorre?

Essa pouca variação acontece porque os dois principais adversários são muito conhecidos. Um é o atual presidente e o outro é um ex-presidente, então as pessoas já sabem quem eles são. Mesmo as variações que têm ocorrido mantêm uma distância relativa entre os candidatos muito parecida.

O pior momento de Bolsonaro foi em dezembro de 2021. Lula assumiu a liderança a partir de junho e julho do ano passado e não a perdeu mais. Essa vantagem em relação a Bolsonaro se ampliou por volta de novembro e dezembro e agora ela deu uma estreitada. Ou seja, é um processo relativamente sem emoção.

- Tivemos recentemente as entrevistas dos principais candidatos no Jornal Nacional e o debate na Band. Qual o poder que eventos como esses têm para influenciar o voto dos eleitores?

A intenção de voto antes e depois das entrevistas e debates não variou muito e isso não é só nesta eleição. Eu vejo o debate muito mais como um acontecimento do ritual geral que é a disputa eleitoral do que algo que influencie o voto.

É importante existirem debates? Sim, porque teremos um resultado eleitoral, um vencedor, que ficará plenamente legitimado se todos os elementos do ritual eleitoral forem cumpridos. Todo mundo questiona "Ah, Bolsonaro ganhou em 2018 sem ter ido a debates" e sempre teremos questionamentos. Por isso, o melhor é que todos os elementos desse ritual, que é a eleição, ocorram para que o vencedor fique 100% legitimado pelo processo.

- Começaram também as propagandas eleitorais em rádio e TV. Qual o grau de influência que essas propagandas e esses meios possuem hoje?

Eu vejo as propagandas de rádio e TV como mais uma propaganda. Se antigamente elas eram as propagandas fundamentais, que concentravam todas as atenções, hoje elas são apenas mais uma. Agora elas são importantes, até porque repercutem nas redes sociais. Elas têm uma narrativa sob controle das candidaturas que depois vai sendo repercutida e circula, ajudando a decidir o voto, como os debates, redes sociais etc. É uma soma de fatores com efeito cumulativo.

- Em 2018, aplicativos de mensagens como o WhatsApp foram muito importantes na campanha eleitoral como meios de divulgação de informação e desinformação. Nessas eleições, essa importância se manterá?

No meu livro "A mão e a luva: o que elege um presidente", eu mostro que o determinante não é o meio de comunicação, mas o humor do eleitorado, ou seja, saber se o sentimento é de continuidade ou de mudança. A comunicação vai chegar por algum caminho ao eleitor, seja pela TV, WhatsApp ou rede social.

Como a informação chegou ao eleitorado é menos relevante. Ela chegou em 2018 pela hiperexposição que Bolsonaro teve pela facada e teve a onda na semana final em que as pessoas foram se decidindo e migrando para candidatos antissistema, quando o Alckmin perdeu votos para Bolsonaro e acabou com menos de 5%. O Alckmin naquele ano tinha o maior tempo de TV, mas não se adequava àquele momento antissistema. O PSDB estava no governo Temer.

Portanto, eu tiraria o peso um pouco da questão dos aplicativos de mensagens e colocaria mais o peso no clima da opinião pública. Essa questão dos aplicativos precisa ser relativizada. Há mais uma impressão de que eles tiveram papel determinante do que uma prova. O que se sabe é que havia um clima geral antissistema e Bolsonaro se encaixava nele.

- Há uma discussão em relação à possibilidade de um golpe no Brasil e esse medo tem contaminado o debate político. O senhor já afirmou que as instituições estão funcionando, embora elas possam não estar funcionando como alguns gostariam. Afinal, há possibilidade de golpe no Brasil?

Eu digo desde que o Bolsonaro assumiu em 2019 que o Brasil é um país muito complexo. Ele é continental e só isso já o torna difícil de ser governado. É também populoso e está entre as grandes populações do mundo.

Ele é uma federação em que os estados têm poder e autonomia, tem cidades que são muito poderosas como São Paulo e Rio de Janeiro, é multipartidário e tem uma sociedade muito ativa, quer queira ou não. Não é o nível de atividade norte-americana, mas tem uma sociedade ativa, com muito associativismo.

O Brasil tem uma imprensa efetivamente independente, redes sociais muito movimentadas, pujantes. Portanto, são muitos elementos que existem no país que impedem um golpe. A sociedade é toda "entrincheirada" e, acima de tudo, ela é muito complexa. Isso impede que haja um golpe. As pessoas não veem isso.

Se Bolsonaro vencer, ele já está aí e continua, mas se Lula vencer o resultado será reconhecido, ele será diplomado, vai tomar posse e governar. É isso que vai acontecer.

- Em 2014, Marina Silva (Rede) vinha disputando uma vaga no segundo turno com Dilma Rousseff até poucos dias das eleições, quando Aécio Neves (PSDB) ultrapassou a candidata e foi para o segundo turno com a petista. Quais fatores poderiam mudar o voto dos eleitores até o dia das eleições?

O que pode mudar o voto é a avaliação de governo, que vem melhorando com lentidão muito grande. Se ela melhorar rápido, ela muda o voto em favor de Bolsonaro, mas em geral ela não muda rápido quando se trata de um candidato conhecido, que foi eleito quatro anos atrás.

A avaliação pode melhorar rápido na reta final quando alguém assume o mandato no meio do caminho, como ocorreu com o Cláudio Castro no Rio de Janeiro agora e com o Kassab, que assumiu o mandato de prefeito de São Paulo após a renúncia de José Serra (PSDB) em 2006 e foi reeleito em 2008. Ele (Kassab) tinha uma avaliação ruim no início da campanha e melhorou muito durante o processo.

O exemplo do Kassab mostra um "fator surpresa". Agora, no caso de alguém eleito e que governa há quatro anos, é preciso um fato de grande impacto para influenciar a avaliação de governo, como foram os protestos de 2013 com a Dilma, o "apagão" com o FHC, o "mensalão". Em geral, as avaliações de governo pioram muito rapidamente, agora melhorar, não. Para melhorar, o processo é mais lento.

* Raul Galhardi é jornalista e mestre em Produção Jornalística e Mercado pela ESPM-SP