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Bolsonarismo tornou-se mais forte do que Jair Bolsonaro

Jair Bolsonaro (PL) em conversa com apoiadores no cercadinho do Palácio da Alvorada - Reprodução/Facebook
Jair Bolsonaro (PL) em conversa com apoiadores no cercadinho do Palácio da Alvorada Imagem: Reprodução/Facebook

Colunista do UOL

03/10/2022 13h56

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* Cesar Calejon

Encerrada a apuração da votação no primeiro turno, o cenário verificado é bastante diferente daquele prognosticado pelos institutos de pesquisa. Lula, apesar da vitória dentro do que era esperado pelas sondagens, foi seguido de perto por Bolsonaro, com uma margem pouco acima dos seis milhões de votos, enquanto figuras centrais do bolsonarismo foram eleitas, em ampla medida, com base nas pautas ideológicas e no discurso evangélico-liberal.

Dos cinco deputados mais votados do país, quatro são bolsonaristas e o PL elegeu as maiores bancadas na Câmara e no Senado. Neste contexto e com a derrota do atual presidente para Lula no primeiro turno, pode-se afirmar que o bolsonarismo tornou-se mais forte do que o próprio Jair Bolsonaro.

Com base neste cenário, as alianças com os outros candidatos, principalmente com Simone Tebet e Ciro Gomes, passam a ser vitais não somente para a campanha de Lula no segundo turno, mas no sentido de garantir o mínimo de governabilidade após uma eventual eleição.

Fazendo uma campanha corajosa e relativamente competente, Tebet obteve quase cinco milhões de votos e conquistou o terceiro lugar, ultrapassando Ciro Gomes, que teve um período eleitoral trágico e amargou o pior resultado da sua história. Em alguma medida, pode-se atribuir a ele o fato de Bolsonaro conseguir avançar ao segundo turno, inclusive.

Assim, a votação do primeiro turno indica que os votos de ambos serão decisivos para a definição do pleito presidencial. Resta saber o quanto Ciro e Simone serão capazes de, efetivamente, fazer a transferência dos seus votos para o candidato que decidirem apoiar no segundo turno.

Ciro, apesar de ser um político experiente que participou dos governos petistas, adotou a ingrata postura de atacar Lula e terminou por fortalecer o bolsonarismo. Finalizou a eleição com cerca de 3% dos votos e saiu muito menor do que entrou. Ao que tudo indica, boa parte dos seus votos já migraram para Bolsonaro, conforme ele fez questão de determinar, ainda que de forma tácita.

Tebet, apesar de ter feito uma boa campanha em 2022, é uma liderança relativamente nova no âmbito nacional, muito por conta do protagonismo que ela conquistou durante a CPI da Covid-19, e ainda não parece ter construído uma fidelidade ideológica junto ao seu eleitorado, que, em grande parte, escolheu a senadora por uma rejeição aos dois líderes do pleito.

Ou seja, a grande questão que se apresenta agora é a capacidade da emedebista e do pedetista de transferirem o restante dos seus votos, seja para Lula ou para Bolsonaro, durante o segundo turno. A partir desse ponto, esse é o aspecto fundamental para decidir a eleição a favor do candidato que for capaz de atraí-los durante o mês de outubro.

Naturalmente, Simone Tebet, apesar de se posicionar ao centro no espectro político e ideológico, está mais inclinada a aderir à campanha petista, principalmente em razão dos ataques misóginos que Bolsonaro fez reiteradamente contra as mulheres brasileiras durante toda a sua carreira parlamentar e vida pública, de forma mais ampla.

Ciro, apesar de carregar a bandeira do trabalhismo brizolista via PDT, foi talvez o principal cabo eleitoral de Jair Bolsonaro na reta final do período eleitoral, o que o empurrou para o ostracismo político, talvez de forma definitiva.

Do outro lado, nas próximas semanas, Tebet tem a chance não somente de negociar uma posição central no próximo governo caso Lula seja eleito, mas também de se consolidar como uma liderança feminina de relevância pelos próximos quatro anos.

Em última análise, é tempo de buscarmos compreender melhor a força que o bolsonarismo ganhou junto à população. Para isso, caberá a nós, analistas, olhar com mais detalhes para a sua guerra cultural e a chamada "pauta moral", que parecem ter sido decisivas nesse sentido, em detrimento de dados econômicos ou sociais — os quais não seriam capazes de levar Bolsonaro aonde está.

* Cesar Calejon é jornalista, com especialização em Relações Internacionais pela FGV e mestrando em Mudança Social e Participação Política pela USP (EACH). É escritor, autor dos livros A Ascensão do Bolsonarismo no Brasil do Século XXI (Kotter), Tempestade Perfeita: o bolsonarismo e a sindemia covid-19 no Brasil (Contracorrente) e Sobre Perdas e Danos: negacionismo, lawfare e neofascismo no Brasil (Kotter).