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Crise Climática

OPINIÃO

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8 ou 80: Atuação climática do novo Congresso refletirá agenda do Planalto

Congresso Nacional - AGÊNCIA BRASIL
Congresso Nacional Imagem: AGÊNCIA BRASIL

Colaboração para o UOL, em São Paulo

06/10/2022 11h00

Esta é parte da versão online da newsletter Crise Climática enviada hoje (6). A versão completa, apenas para assinantes, traz detalhes do primeiro estudo sobre a influência das mudanças climáticas sobre as secas deste ano no Hemisfério Norte - elas tornaram uma estiagem com esta magnitude pelo menos 20 vezes mais provável naquela região. Quer receber o boletim completo na semana que vem, com a coluna principal e informações extras, por e-mail? Clique aqui e se cadastre.

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O que a nova composição do Congresso representa para as agendas climática e ambiental no Brasil? Ambientalistas afirmam que o cenário continua desafiador, mas que há o que comemorar. E concordam que a atuação do legislativo, particularmente a dos partidos do chamado Centrão, será muito influenciada pelo presidente eleito em 30 de outubro.

"O jogo de forças no Congresso Nacional estará equilibrado com a vitória da candidatura Lula-Alckmin para uma agenda positiva na área ambiental, e contará com uma boa representação de contenção de danos e retrocessos em uma eventual reeleição de Bolsonaro", prevê Malu Ribeiro, diretora de Políticas Públicas da Fundação SOS Mata Atlântica.

A organização fez as contas e dos 216 signatários da Frente Parlamentar Ambientalista, 112 se reelegeram. Este grupo pode ganhar adesões entre os novos eleitos e somar forças com os não signatários da Frente, mas que têm atuado de maneira sensível às pautas ambientais. Por outro lado, ao se tornar o maior partido do Congresso, o PL do atual presidente terá grande capacidade de enfraquecer a legislação ambiental ao se articular com os partidos do Centrão de atuação essencialmente antiambiental.

"Se o Bolsonaro se reeleger, com este legislativo, estou certo de que veremos uma escalada de retrocessos. Se o Lula se eleger, é possível que a força de um executivo federal mais alinhado com a pauta de clima crie o balanço necessário para impedir o avanço de agendas antiambientais no Congresso."
André Lima, consultor sênior de Política e Direito Socioambiental do IDS (Instituto Democracia e Sustentabilidade)

Ribeiro destaca que a paralisia do atual Congresso com temas ambientais é tamanha, que o Brasil ainda não definiu sua representação para a COP 27, que será realizada daqui a exatamente um mês. "O país poderia estar avançando numa agenda climática internacional, em temas como mercado de carbono e universalização do saneamento, mas na medida em que o parlamento não se engaja, o país fica à mercê de lobbies pontuais"

"O Congresso permaneceu com um perfil muito ruim, apesar da eleição de uma bancada ambiental importante, como as lideranças indígenas Sônia Guajajara e Célia Xakriabá, além de outros importantes nomes", afirma Márcio Astrini, secretário executivo do Observatório do Clima. "Com um número ainda alto de parlamentares conservadores e de extrema direita, o que se espera das casas legislativas brasileiras é que continuem tentando impor agendas de retrocessos para o clima e o meio ambiente. Mas a parte mais importante da eleição brasileira ainda não terminou."

Perde e ganha

Para Lima, tanto na Câmara como no Senado a agenda ambiental perde em quantidade e em qualidade, mas é possível construir um balanço de forças no próximo legislativo. "Na Câmara, onde a coisa já estava ruim, perdemos alguns parlamentares muito bem avaliados na área socioambiental, ao mesmo tempo em que tivemos algumas compensações. O quanto a gente conseguiu compensar essas perdas é algo que vamos descobrir."

Ribeiro é um pouco mais otimista. "Nós perdemos o deputado Rodrigo Agostinho [PSB-SP], que era o coordenador da Frente Parlamentar Ambientalista e uma grande liderança no tema. Ganhamos Marina Silva [REDE-SP], Sônia Guajajara [PSOL-SP], Guilherme Boulos [PSOL-SP] - novos nomes que vão oxigenar essa pauta por direitos socioambientais".

Para Ribeiro, o perfil mais militante de novos eleitos será um diferencial. "A deputada Talíria Petrone [PSOL-RJ], do Rio de Janeiro, foi uma das mais votadas e é a coordenadora do GT sobre Água, Segurança Climática e Gênero que é uma agenda extremamente importante."

A eleição do ex-ministro do Meio Ambiente Ricardo Salles é vista pelos ambientalistas como um indicativo do tipo de liderança antiambiental do próximo legislativo. Ele recebeu forte financiamento do agronegócio paulista e deixou o cargo após ser investigado em um caso de contrabando de madeira da Amazônia para os EUA. "Houve um enorme investimento em candidaturas como a do ex-ministro Salles, que tem até problemas gravíssimos na agenda antiambiental, mas ele terá que debater com representantes da qualidade da Marina Silva", diz Ribeiro.

"No Senado, a gente elegeu mais parlamentares com desempenho ruim na área de meio ambiente, mas em relação à composição anterior há um empate. O aspecto que chama atenção é que o partido do presidente Bolsonaro (PL) conseguiu eleger um número importante de senadores e, com isso, o PL vai operar como um bloco com grande possibilidade de indicar o presidente do Senado", avalia Lima. "Se Bolsonaro for reeleito, isso aponta para o fim de um equilíbrio de forças que foi crucial nos últimos anos, quando muitos retrocessos ambientais foram freados no Senado."

Parlamentares sensíveis

A partir de 2023, haverá mais presença da sociedade civil nas casas legislativas, estima Ribeiro, um elemento político que foi neutralizado nos últimos anos pela pandemia e por uma nova rotina de votações remotas.

"Com a presença das pessoas nas votações, os lobbies ruralista, da energia fóssil e da mineração terão que se equilibrar. Haverá mais exposição das posições de cada parlamentar e muito mais pressão, ao mesmo tempo em que as cobranças do mercado e no exterior por mais alinhamento climático crescem."
Malu Ribeiro, diretora de Políticas Públicas da Fundação SOS Mata Atlântica

Um indicativo de que muitos parlamentares terão interesse em se mostrar mais sensíveis aos temas ambientais vem da ANA (Articulação Nacional de Agroecologia). A composição da Câmara dos Deputados terá 12% de parlamentares (64) que aderiram a compromissos da organização para a erradicação da fome e o fortalecimento da agricultura familiar, além de adesões dos legislativos e executivos estaduais.

Para Ribeiro, o maior risco de retrocessos está na agenda de direitos humanos, elemento central das pautas de clima e meio ambiente. "São as conquistas da Constituição de 1988 que estão em jogo. Veremos ataques a questões de gênero, equidade e direitos dos povos indígenas e tradicionais, o que impacta diretamente no desempenho climático do país".

E o que mais você precisa saber

Célia Xakriabá - Reprodução - Reprodução
Célia Xakriabá é a primeira indígena eleita deputada federal por Minas Gerais
Imagem: Reprodução

VOCÊ CONHECE?

Célia Xakriabá (PSOL-MG) é um dos principais nomes em defesa do meio ambiente que se elegeu no domingo, com mais 100 mil votos. A mineira representou os povos indígenas na COP-26 e participa ativamente da denúncia contra o presidente Jair Bolsonaro por crime contra a humanidade no Tribunal de Haia. Xakriabá é professora, doutora em antropologia pela Universidade Federal de Minas Gerais e ex-assessora parlamentar da deputada Áurea Carolina (PSOL-MG), além de já ter trabalhado na Secretaria de Educação em Minas Gerais. Sua principal pauta é a demarcação de territórios indígenas e quilombolas - áreas de proteção essenciais para frear a destruição das florestas.

IBAMA - Vinícius Mendonça/Ibama - Vinícius Mendonça/Ibama
Operação do Ibama contra desmatamento e garimpo de cassiterita na Terra Indígena Tenharim do Igarapé Preto, no Amazonas, em 2018
Imagem: Vinícius Mendonça/Ibama

PERDÃO DE BILHÕES

O governo brasileiro está com dinheiro sobrando. Pelo menos esta é a conclusão possível a partir da manobra do governo federal para a prescrição de 45 mil multas que somam quase R$ 18 bilhões - a Folha cobre em detalhes. A impunidade de crimes ambientais é vista como a maior causa por trás do aumento do desmatamento no país.

FURACAO IAN - WIN MCNAMEE / GETTY IMAGES NORTH AMERICA / Getty Images via AFP - WIN MCNAMEE / GETTY IMAGES NORTH AMERICA / Getty Images via AFP
Em Port Charlotte, ruas ficaram inundadas em decorrência do furacão Ian
Imagem: WIN MCNAMEE / GETTY IMAGES NORTH AMERICA / Getty Images via AFP

FURACÃO IAN

O setor de seguros está na linha de frente dos impactos da mudança climática, e os moradores da Flórida, nos EUA, estão descobrindo isso dolorosamente após a passagem do furacão Ian, de categoria 4 e o quinto mais intenso a atingir os EUA. O direito ao ressarcimento dos prejuízos causados pelas inundações é negado pelas seguradoras, que de qualquer forma podem enfrentar falência em cascata já que os estragos causados pela ventania estariam cobertos. Agências de avaliação de risco e empresas do setor imobiliário estimam prejuízos entre R$ 150-313 bilhões (30-60 bilhões de dólares).

CONTAR OS CORPOS

A situação na Flórida está gerando uma crise sem precedentes para o republicano DeSantis, governador do estado. Ele é acusado de ter negligenciado a política de resposta a desastres naturais e de estar tentando impedir que as pessoas associem a violência de Ian com a mudança climática - atitude que ele tem classificado como "politização". Ao menos 109 pessoas morreram em decorrência das enchentes, mas a contagem de mortos tem sido um desafio, com parte da imprensa local apontando para um número extraordinário de desaparecidos desde sexta-feira (30). A lista oficial de pessoas não localizadas ainda não foi divulgada.