Topo

Crise Climática

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Países fazem acordo de proteção à natureza; distribuir os lucros é desafio

Ayahuasca é um exemplo de material genético de conhecimento indígena que está sendo sequenciado no exterior para criação de fármacos - Anatoly Kireev/Getty Images/iStockphoto
Ayahuasca é um exemplo de material genético de conhecimento indígena que está sendo sequenciado no exterior para criação de fármacos Imagem: Anatoly Kireev/Getty Images/iStockphoto

Colaboração para o UOL, em São Paulo

22/12/2022 11h00

Esta é parte da versão online da newsletter Crise Climática enviada hoje (22). A versão completa, apenas para assinantes, mostra que uma onda de calor extrema que atingiu a Argentina e o Paraguai este mês seria impossível sem a influência das mudanças climáticas, segundo um estudo rápido de atribuição. A pesquisa mostra que o aumento da frequência de ondas de calor pode ter impactos severos para o mercado de trigo. Quer receber o boletim completo na semana que vem, com a coluna principal e informações extras, por email? Clique aqui e se cadastre.

——————

A indústria - principalmente a farmacêutica, a cosmética e a química - precisa ter acesso à natureza para investigar novos compostos que garantam a elas competitividade no mercado. Isso significa que as empresas são grandes beneficiárias da conservação de florestas e outros ecossistemas ricos em vida. Apesar disso, as companhias e os países que lucram com a biodiversidade relutam em dar uma fatia justa para os que ajudaram a manter essa fonte de material genético disponível - os países megadiversos, como o Brasil, e as comunidades indígenas e tradicionais, que conservam os biomas e que detêm o conhecimento ancestral sobre o potencial de certas plantas e animais.

Esse impasse foi um dos principais gargalos das negociações da COP da Biodiversidade (COP15) encerrada na segunda-feira (19) em Montreal, no Canadá. O resultado da Conferência gerou um acordo histórico que estabelece uma meta de conservação de 30% dos ecossistemas até 2030, e isso pode ajudar o mundo a manter ao alcance a meta de Paris de manter o aquecimento global abaixo de 1,5° C.

Embora o documento reconheça que a justa repartição dos lucros obtidos a partir da biodiversidade é um elemento chave para a conservação, falta clareza sobre como financiar essa conservação. As nações ricas se comprometeram pela primeira vez com um valor de financiamento - R$ 150 bilhões (30 bilhões de dólares) ao ano até o fim desta década -, mas ele está bem abaixo do montante necessário estimado pelos países mais pobres.

Os 196 governos terão agora a tarefa de apresentar um plano até 2024 para implementar o acordo, e o progresso será checado periodicamente. Os países também concordaram em cortar subsídios de atividades prejudiciais à natureza, e as grandes empresas e os investidores devem informar sobre suas ações, mas a repartição dos lucros oriundos da biodiversidade continuará em debate enquanto este roteiro é definido.

"Toda a África, o Brasil e os outros países megadiversos querem que seja estabelecida uma remuneração justa pela utilização dos recursos genéticos quando estes já estão sequenciados digitalmente no laboratório", explica a ex-ministra do Meio Ambiente e deputada federal eleita Marina Silva (Rede).

"Alguns países não querem considerar que a partilha justa deve ser feita. Os países megadiversos não estão de acordo. E é correto que não concordem, especialmente devido ao conhecimento das comunidades tradicionais associadas a esta informação genética"
Marina Silva, ex-ministra e deputada federal eleita

"Sem isso [um entendimento financeiro], é difícil alcançar os objetivos da Convenção da Diversidade Biológica. E isto não tem nada a ver com a visão chantagista do governo Bolsonaro. É verdade que deveria haver uma contribuição financeira para a conservação da biodiversidade, especialmente para os países mais vulneráveis."

Para Izabella Teixeira, ex-ministra do Meio Ambiente, é impossível resolver a questão climática sem ter uma nova relação com a natureza, e isto significa a emergência da liderança na COP15 dos países em desenvolvimento ricos em biodiversidade.

"Toda a reforma do sistema financeiro voltado ao desenvolvimento, as chamadas instituições de Bretton Woods que serão discutidas no próximo ano, deve proporcionar não só o financiamento do clima, mas também o financiamento da biodiversidade. A liderança do Brasil, sob uma nova orientação política, pode ajudar a convergir essas agendas, mostrando que é possível crescer e superar as desigualdades tendo a natureza como aliada", afirma Teixeira. "Mas o mundo também precisa ter este entendimento, para convergir para soluções, especialmente no que diz respeito aos mecanismos financeiros."

E o que mais você precisa saber

O BRASIL VOLTOU

As negociações da COP15 de Biodiversidade, realizadas em Montreal nas últimas duas semanas, marcam a volta definitiva da diplomacia brasileira à vanguarda da agenda climática, mas esse retorno pode não ter sido exatamente o que os países desenvolvidos esperavam. A Folha reportou que os brasileiros lideraram a cobrança dos países pobres por mais recursos financeiros para proteger a natureza, confrontando a resistência das nações ricas, encabeçadas pela França.

CANADÁ

Um dos principais embates das negociações de biodiversidade é o reconhecimento do papel dos povos Indígenas e tradicionais para esta conservação, e os representantes desses grupos têm no anfitrião da COP15, Canadá, um alvo principal de críticas. Isto porque entre as atividades que mais contribuem para a perda de biodiversidade está a mineração, e 75% das 2.000 grandes mineradoras do mundo têm sede no país por vantagens fiscais e políticas. Isso torna os canadenses os maiores reguladores individuais do setor que segue avançando sobre Terras Indígenas em todo o planeta, inclusive no Brasil.

Mia Amor Mottley - Timothy Sullivan/UNCTAD - Timothy Sullivan/UNCTAD
A premiê de Barbados, Mia Amor Mottley, afirma que o clima da ilha é incrível
Imagem: Timothy Sullivan/UNCTAD

VOCÊ CONHECE?

A reforma "verde" do sistema financeiro internacional voltado ao desenvolvimento, as chamadas instituições de Bretton Woods, como Banco Mundial e FMI, e mencionada acima pela ex-ministra Izabella Teixeira, está sendo formulada pela Bridgetown Agenda. A iniciativa, que ganhou novo impulso na Conferência do Clima no Egito (COP27), será negociada em 2023 e tem como líder a primeira-ministra de Barbados Mia Amor Mottley. A chefe de estado caribenha é uma das maiores lideranças na defesa de uma ação climática justa para os países em desenvolvimento, em especial os países-ilha, caso de Barbados, que correm risco existencial se a crise climática não for solucionada.

****

LEIA A NEWSLETTER COMPLETA