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Crise Climática

REPORTAGEM

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Sol e vento desbancam gás pela 1ª vez e salvam Europa de crise energética

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Imagem: iStock

Colaboração para o UOL, em São Paulo

02/02/2023 11h10

Esta é parte da versão online da newsletter Crise Climática enviada hoje (2). A versão completa, apenas para assinantes, apresenta um relatório que sugere analisar a desigualdade climática por um outro prisma - em vez da divisão clássica entre países pobres e ricos, as políticas deveriam focar mais nos membros da elite, independentemente do país de origem. Quer receber o boletim completo na semana que vem, com a coluna principal e informações extras, por e-mail? Clique aqui e se cadastre.

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O vento e o sol produziram de forma recorde mais de um quinto (22%) da eletricidade da União Europeia no ano passado, superando pela primeira vez o gás (20%). É o que revela o relatório "Revisão de Eletricidade Europeia", lançado agora pela Ember, um dos think tanks mais respeitados do setor de energia e clima.

As expectativas para o setor energético na Europa durante o inverno não eram boas. Cortar laços com a Rússia, seu maior fornecedor de gás, não tem sido uma tarefa trivial, sobretudo depois de um verão extremo que gerou a maior seca observada em 500 anos, com impactos para as usinas hidrelétricas e nucleares. Ativistas, analistas de mercado e estudiosos do setor temiam que esse cenário levasse a decisões econômica e climaticamente lamentáveis, como o ressurgimento do carvão. Em vez disso, os dados apresentados pela Ember mostram uma aceleração do declínio da geração a carvão e uma previsão surpreendente de queda histórica para o uso de gás já em 2023.

A queda na geração das termelétricas a gás na UE este ano está ligada a dois fatores principais, segundo o relatório: aumento na previsão de uso de energia eólica e solar pela indústria; e a recuperação da capacidade hidráulica e nuclear da França. Outro elemento que contribuirá para o declínio é o preço, já que a Ember estima que a geração a gás deve se manter ainda muito cara - mais do que o carvão - até 2025.

O carvão cairá também em 2023, mas menos do que o gás. Neste inverno, foram quatro meses consecutivos de queda, com a geração ficando 6% abaixo da média anual justamente nesse período crítico. As 26 unidades de carvão colocadas em prontidão de emergência só produziram 18% da capacidade média - 19% na Alemanha, país que liderou o investimento nesse segmento. Como o bloco tinha importado 22 milhões de toneladas extras de carvão ao longo de 2022 e só usou um terço disso, é improvável que as importações de carvão continuem altas. Os analistas avaliam que isso levará os países europeus a retomar a política de eliminação gradual do carvão, como antes da crise.

Na outra ponta, as renováveis caminham para dominar o mercado. A energia do sol foi o maior destaque, com vinte países batendo recorde de geração, o que levou ao crescimento também recorde em todo o bloco de 39 TWh (terawatt-hora) (+24%) em 2022, quase o dobro do recorde de crescimento anterior. Segundo a Ember, isso gerou uma economia de R$ 55 bilhões (10 bilhões de euros) em gastos com gás. A Alemanha lidera isolada o crescimento em solar e eólica, com a adição de 20 TWh.

"A Europa tem evitado o pior da crise energética", avalia Dave Jones, chefe do setor de análise de dados da Ember. "Os choques de 2022 causaram apenas uma pequena ondulação na energia do carvão e uma enorme onda de apoio às energias renováveis. Qualquer temor de uma recuperação do carvão está morto agora."

"A transição de energia limpa da Europa emerge desta crise mais forte do que nunca. Não apenas os países europeus ainda estão comprometidos com a eliminação gradual do carvão, mas agora estão se esforçando para eliminar gradualmente o gás também. A Europa está se lançando em direção a uma economia limpa e eletrificada, e isto estará em plena exibição em 2023", continua Jones.

A expectativa de Moscou era a de que a dependência do gás, sobretudo para o aquecimento predial durante o inverno, levasse os europeus a pressionar seus governos a abandonar o apoio à Ucrânia. A análise da Ember mostra um resultado oposto: a crise energética fez os cidadãos intensificarem a instalação de tetos solares e economizarem energia de maneira inédita. A demanda de eletricidade caiu 7,9% nos últimos três meses de 2022 em comparação com 2021, chegando muito perto dos 9,6% de redução em 2020, em meio aos bloqueios da pandemia.

Ironicamente, até os efeitos das mudanças climáticas deram alívio à União Europeia. Os dias foram invulgarmente amenos neste inverno até aqui, com Varsóvia, na Polônia, registrando 18ºC nos primeiros dias de janeiro, e 25ºC em Bilbao, na Espanha.

O pesquisador do Conselho Europeu de Relações Exteriores Julian Popov comemora os resultados. "Por trás da névoa da guerra energética russa, podemos ver a tendência de declínio do gás. A última década provou que ele não pode ser um combustível de transição", diz Popov, que é ex-ministro do Meio Ambiente da Bulgária, país-sede da Conferência do Clima do ano que vem, a COP29. "A tendência de declínio do gás continuará, e o gás desempenhará cada vez mais o papel de combustível de último recurso até que seja totalmente deslocado por combustíveis livres de carbono e pela eficiência energética".

"Estamos vendo uma aceleração notável no ritmo com que a energia renovável está sendo construída. Especialmente para a energia eólica offshore e a energia solar no telhado, os números são impressionantes", declarou Frans Timmermans, vice-presidente executivo do Acordo Verde Europeu. "A atual crise energética ainda trará outro inverno difícil, mas quanto mais renováveis tivermos, mais soberanos seremos em nosso fornecimento de energia".

E o que mais você precisa saber

shell mata - François Walschaerts/AFP - François Walschaerts/AFP
18.jan.2020 - Ativista do movimento Extinction Rebellion mostra as palavras "Shell mata" pintadas em seu corpo no Salão do Automóvel de Bruxelas, na Bélgica
Imagem: François Walschaerts/AFP

INDECENTE

Quando os lucros de um setor geram raiva generalizada, a licença social de operação já não existe. Isso está acontecendo com as grandes petroleiras ocidentais. A ExxonMobil traz agora a cifra impressionante de R$ 282 bilhões (55,7 bilhões de dólares). Antes, a Chevron já tinha causado choque com R$ 184 bilhões (36,5 bilhões de dólares). Esse lucro foi construído enquanto governos, empresas e famílias se endividavam para pagar os aumentos nas contas de luz e nos postos de gasolina. "Ultrajante", classificou a Casa Branca. "Desestabilizam o planeta por lucros", acusou Greta Thumberg. "Esse lucro saiu direto dos seus bolsos", twittou o gabinete do governador da Califórnia.

propina - Reprodução/Blog do Vlad/STF-MT/Pixabay - Reprodução/Blog do Vlad/STF-MT/Pixabay
Ofereceu propina como legítima defesa
Imagem: Reprodução/Blog do Vlad/STF-MT/Pixabay

COMPRA TUDO

Segundo um estudo divulgado pelo Guardian e liderado por Aviel Verbruggen, professor da Universidade de Antuérpia, na Bélgica, outras empresas ocidentais de combustíveis fósseis devem apresentar números dessa magnitude nos próximos dias e esse dinheiro deve ser usado para atrasar o combate à mudança do clima.

"Você pode comprar todos os políticos, todos os sistemas com todo esse dinheiro, e eu acho que isso aconteceu", disse o pesquisador, que foi autor de relatórios do IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudança Climática da ONU). "É lucro real, lucro puro. Eles [os produtores] capturaram 1% de toda a riqueza do mundo sem fazer nada por ela".

pista clandestina amazonia - Divulgação/FAB - Divulgação/FAB
Pista de pouso clandestina é explodia por caças da Força Aérea na Amazônia em 2011
Imagem: Divulgação/FAB

"ACABOU A BRINCADEIRA"

Foi com esta frase que o presidente Lula determinou que o espaço aéreo da Terra Indígena Yanomami passe a ser controlado. No ano passado, o jornal The News York Times fez uma longa reportagem denunciando a existência de mais de mil pistas clandestinas de pouso na Amazônia a serviço do garimpo, sem que as autoridades brasileiras fizessem qualquer tipo de fiscalização.

claudia e davi - Goethe Institut / Divulgação - Goethe Institut / Divulgação
Claudia Andujar e Davi Kopenawa em Weimar, na Alemanha em 2018
Imagem: Goethe Institut / Divulgação

VOCÊ CONHECE?

Começa este mês em Nova York e vai até abril a exposição "A Luta Yanomami", que faz uma retrospectiva dos trabalhos da fotógrafa suíço-brasileira Cláudia Andujar, com contribuições de artistas e intelectuais yanomami, incluindo o escritor, xamã e líder político Davi Kopenawa. A mostra ocorre no novo e já icônico museu The Shed, depois de ter passado pelo Instituto Moreira Salles, em São Paulo, Fondation Cartier, em Paris, e o Barbican Centre, de Londres. O jornal The New York Times e a revista Forbes cobrem, destacando a trajetória de Andujar.