Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.
Com distorções de Bolsonaro, clima finalmente chega à eleição
Esta é parte da versão online da newsletter Crise Climática enviada hoje (20). A versão completa, apenas para assinantes, mostra ainda que a Volkswagen pode ser processada por acionistas europeus por defender publicamente o clima enquanto trabalha para enfraquecer a legislação ambiental. Quer receber o boletim completo na semana que vem, com a coluna principal e informações extras, por e-mail? Clique aqui e se cadastre.
———
No debate eleitoral de domingo (16), Jair Bolsonaro tentou enganar sobre seu desempenho no combate ao desmatamento na Amazônia. Apostando em uma possível dificuldade dos eleitores para interpretar dados, seus apoiadores divulgam desde então gráficos com informações do INPE (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais) que, na verdade, facilitam a interpretação de que tipo de política foi implementada em cada período. Lula herdou um desmatamento recorde e o reduziu em 67%; o atual presidente recebeu taxas de desmatamento relativamente baixas e está liderando um aumento recorde de 73%.
É claro que o desmatamento selvagem na Amazônia é anterior a Bolsonaro. Especificamente, a ditadura militar (1964-1985) produziu um dos maiores ecocídios da história humana recente sem resultados econômicos relevantes, juntamente com o genocídio contra milhares de indígenas amazônidas. A imprensa apoiou o que chamava de "ocupação do deserto verde", intoxicada pela tese militar - repetida até hoje - de que o interesse estrangeiro seria a grande ameaça à maior floresta do mundo.
Quando os militares devolveram o poder aos civis e a Constituição de 1988 foi criada, a crise econômica era tão severa que mesmo as atividades que mais impulsionam o desmatamento - pecuária, monocultura, mineração e garimpo - estavam sub-financiadas e as terras tinham baixo valor comercial.
Foi no governo Fernando Henrique Cardoso que o desmatamento na Amazônia voltou a subir, com o psdbista entregando a Lula uma taxa anual de 21,6 mil km², em 2002. Já Bolsonaro recebeu de Michel Temer uma taxa de desmatamento anual de 7,5 mil km2 e vem impulsionando um aumento contínuo. Em 2021, essa taxa foi de 13 mil km², e os dados preliminares apontam que o ano de 2022 será ainda pior.
A Amazônia é um importante estoque de biodiversidade, e, por isso, de dióxido de carbono (CO2), um gás de efeito estufa que demora décadas (até 200 anos) para deixar a atmosfera da Terra depois de emitido. Quando as espécies de plantas e animais da floresta morrem ou queimam, devolvem o carbono contido nelas, contribuindo para aquecer o planeta.
Esta é a razão do criticismo no exterior. O desmatamento é a maior contribuição que o Brasil dá à crise climática - já é o sexto maior emissor de gases de efeito estufa do mundo, mesmo sendo um país ainda em desenvolvimento e com uma matriz elétrica relativamente pouco poluída por combustíveis fósseis, maiores causas da mudança climática.
Uma estimativa diz que o Brasil é o quarto país que mais contribui para a atual crise climática desde uma perspectiva histórica. Segundo a avaliação, nos últimos duzentos anos, período em que o CO2 que agora está na atmosfera foi emitido, os brasileiros estavam consolidando a destruição da Mata Atlântica, outra importante reserva de vida e carbono. Isso não trouxe o nível de desenvolvimento observado nas nações ricas, as maiores poluidoras e que estavam queimando carvão e petróleo neste período para a revolução industrial, mas jogou igualmente toneladas de carbono no ar.
De quebra, o processo extinguiu diversas espécies, incluindo a árvore que dá nome à nação - um enorme significado simbólico.
É por sua importância climática que o Brasil é uma das grandes expectativas da próxima Conferência do Clima da ONU, a COP 27, que será realizada no Egito, apenas sete dias após os resultados das eleições brasileiras.
Com que país o mundo terá que lidar a partir de 2023? A nação com nome de árvore de sangue vermelho e de madeira nobre ou aquela que lembra uma antiga commodity extinta pelo uso insustentável? Um país que já provou que é possível enfrentar o desmatamento e pode liderar esta agenda em nível global, ou uma terra voltada ao passado de sua selvageria desmatadora? Um povo que usa sua soberania para ajudar a construir um mundo mais seguro, ou para destruí-lo? A decisão é dos brasileiros, as consequências chegarão a todos.
E o que mais você precisa saber
TEM ÁUDIO
Intercept Brasil e o site O Joio e o Trigo publicaram uma reportagem com áudios de militares em cargos na Funai prometendo atropelar o IBAMA para liberar garimpo em Terras Indígenas no Mato Grosso. Segundo a reportagem, a conversa foi realizada em agosto, na presença de funcionário de alto escalão da Funai e um grupo de indígenas favoráveis ao garimpo. A legislação proíbe atividades de alto impacto ambiental em Terras Indígenas.
AOS TRIBUNAIS
A justiça argentina barrou um projeto de exploração petrolífera a 300 km da costa em Mar del Plata, um indicativo de que o aparato judicial dos países em desenvolvimento está perdendo a permissividade com a qual a indústria de combustíveis fósseis estava acostumada. Segundo a decisão judicial, o projeto não apresentou estudo adequado de impacto ambiental e não cumpriu determinações de decisões anteriores. Cada adiamento eleva o custo de exploração, o que pode, afinal, inviabilizar os projetos.
DIREITO AO CLIMA SEGURO
Uma PEC (proposta de emenda à Constituição) aprovada em 18 de outubro na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara pode obrigar o poder público a mitigar os efeitos das mudanças climáticas. Se aprovada, a medida tornará a segurança climática um direito fundamental no país, e as ações de adaptação à crise do clima serão imperativos da ordem econômica e financeira nacionais. A proposta, relatada pela deputada Joenia Wapichana (Rede-RR), seguirá para análise de uma comissão especial a ser formada.
NIGÉRIA SOB ÁGUA
Mais de 600 morreram e milhões estão desabrigadas na Nigéria depois que uma sequência de chuvas extremas atingiu o país e as nações do seu entorno. Segundo a imprensa local, uma represa construída na década de 1980 pelo vizinho Camarões transbordou, obrigando a abertura de comportas. Ao mesmo tempo, a represa à jusante encarregada de conter o fluxo em casos como este nunca foi concluída pelo poder público nigeriano, o que tem colocado há anos as vidas no caminho desta represa em risco. Esta é a pior enchente no local em dez anos. NYT e Al Jazeera cobrem em detalhes.
A intensificação das chuvas como resposta à mudança do clima em várias geografias está tornando a adaptação das infraestruturas um elemento crítico de garantia de direitos humanos.
***
ID: {{comments.info.id}}
URL: {{comments.info.url}}
Ocorreu um erro ao carregar os comentários.
Por favor, tente novamente mais tarde.
{{comments.total}} Comentário
{{comments.total}} Comentários
Seja o primeiro a comentar
Essa discussão está encerrada
Não é possivel enviar novos comentários.
Essa área é exclusiva para você, assinante, ler e comentar.
Só assinantes do UOL podem comentar
Ainda não é assinante? Assine já.
Se você já é assinante do UOL, faça seu login.
O autor da mensagem, e não o UOL, é o responsável pelo comentário. Reserve um tempo para ler as Regras de Uso para comentários.