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Crise Climática

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Extração de gás promovida por Bolsonaro já gerou terremoto em outros países

Posto de extração de gás de xisto na Califórnia, Estados Unidos; energia; xisto - David Mcnew/AFP
Posto de extração de gás de xisto na Califórnia, Estados Unidos; energia; xisto Imagem: David Mcnew/AFP

Colaboração para o UOL em São Paulo

08/12/2022 11h00

Esta é parte da versão online da newsletter Crise Climática enviada hoje (8). A versão completa, apenas para assinantes, destaca o papel dos bancos europeus e dos EUA no financiamento de novos projetos de extração de gás no Qatar. As novas reservas do país são uma verdadeira bomba climática que pode ser responsável sozinha por 11 milhões de mortes evitáveis em decorrência dos impactos do clima extremo. Quer receber o boletim completo na semana que vem, com a coluna principal e informações extras, por e-mail? Clique aqui e se cadastre.

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Um novo estudo publicado na revista Nature mostra que a extração de gás pelo método de fraturamento hidráulico - o fracking - gera abalos sísmicos não naturais (terremotos e microterremotos) em diferentes escalas, inclusive na etapa de pesquisa, antes da fase exploratória.

O presidente Jair Bolsonaro criou este ano uma política para estimular o fracking em todo o país, uma técnica banida em vários países, tanto pelo risco sismológico, como pelo risco de contaminação irreversível do solo e de cursos d'água.

Tremores de terra causados pelo fracking já se tornaram comuns, mas cada região depende de estudos específicos para que as comunidades possam buscar reparação e proteção.

Desde 2019, a ocorrência de terremotos em Sauzal Bonito, na província argentina de Neuquén, tornou-se frequente, o que coincide com os períodos em que a extração de hidrocarbonetos utilizando a técnica de fracking é realizada na região, também conhecida como Vaca Muerta. Desde então, cientistas argentinos vinham realizando estudos para estabelecer o elo entre os tremores e o uso da técnica para extrair gás.

Os resultados não só foram capazes de demonstrar esta relação, como também identificaram dois processos de deformação da superfície do solo (subida ou afundamento de alguns centímetros em áreas que se estendem por alguns quilometros quadrados após a ocorrência de sismos induzidos pelo fraturamento hidráulico). O trabalho foi feito nas duas maiores bacias hidrocarbônicas da Argentina: Vaca Muerta (não convencional) e San Jorge (convencional). Em ambos os casos, foram observados processos de sismicidade e deformação do solo.

Estas regiões eram até pouco tempo consideradas de baixo risco sísmico. Seus habitantes nunca sentiram terremotos, e os instrumentos não mostram tremores para a zona nos registros históricos. Desde a chegada do fracking, registraram-se mais de 400 terramotos em Vaca Muerta em cinco anos, e no Golfo de San Jorge, um terremoto foi registrado, afetando uma das maiores populações da área. Em nenhum dos casos as autoridades tomaram medidas concretas.

Os autores consideram que os resultados "tornam necessário rever o impacto em infraestruturas pré-existentes não concebidas para cenários sísmicos, tais como habitações, vias de comunicação ou mesmo grandes infraestruturas hidráulicas, tais como reservatórios".

No Brasil há quatro grandes áreas de reservas de xisto (a rocha betuminosa de onde se extrai o gás a partir da fratura hidráulica), e a principal delas é a Bacia Sedimentar do Paraná. Ali as reservas estão principalmente no Mato Grosso Sul, Paraná, São Paulo, Santa Catarina e Rio Grande do Sul, além de trechos em Minas Gerais, Mato Grosso e Goiás. É nesta bacia geológica que estão também dois dos mais importantes aquíferos do país: o Guarani e o Serra Geral, que abastecem milhões de pessoas e centenas de plantações e indústrias nesses estados.

As outras três bacias sedimentares com reservas significativas de xisto são: Recôncavo Baiano, Parnaíba (Maranhão e Piauí) e a Amazônica. Desde 2014, quando o fracking começou a ser impulsionado no exterior por investidores dos EUA, várias cidades brasileiras criaram leis para impedir o uso desta técnica, a maioria delas nos estados do Sul. O Paraná também proibiu a técnica em todo o seu território. Já nas bacias geológicas do Nordeste e do Norte, ainda há pouca mobilização para barrar este tipo de exploração.

"A técnica do fraturamento hidráulico oferece uma série de riscos econômicos, sociais, ambientais e climáticos. Ela utiliza uma grande quantidade de água potável e quase mil produtos químicos, e sua contaminação hídrica e atmosférica leva a impactos mutagênicos, neurológicos e abortivos diversos em humanos e outros animais", afirma Juliano Araújo, diretor técnico do Instituto Arayara, que tenta impedir que o fracking se desenvolva no Brasil.

"Os trabalhadores do fracking são, inclusive, os mais impactados em sua saúde em toda a cadeia da energia, o que faz com que os sindicatos dos setores de petróleo e gás estejam ao lado dos ambientalistas no ativismo contra esta técnica", diz o ambientalista.

Araújo ressalta ainda que o metano obtido na extração é um dos maiores impulsionadores do aquecimento global que leva à mudança do clima já em curso, e o fracking inevitavelmente acarreta o vazamento de grandes volumes deste gás para a atmosfera. Isso faz do gás obtido por esta técnica uma das formas de energia mais sujas da atualidade.

Colômbia, França, Alemanha, Espanha, Irlanda, Bulgária e Países Baixos são alguns dos países que baniram o fracking, uma lista que não para de crescer mesmo em meio à crise global de energia. Nos EUA, onde este tipo de extração de gás metano foi inventada, os estados de Nova York, Washington, Maryland e Vermont baniram a atividade, e várias cidades e comunidades rurais brigam na justiça contra empresas do setor.

No Reino Unido, uma tentativa de reverter a proibição nacional de fratura hidráulica está entre os fatores que levaram Liz Truss à renúncia após apenas 45 dias como primeira-ministra.

E o que mais você precisa saber

biodiversidade - Getty Images/iStockphoto - Getty Images/iStockphoto
Arara-azul
Imagem: Getty Images/iStockphoto

SOS BIODIVERSIDADE

Começou ontem (7) e vai até o dia 19/12 a COP15 - Convenção sobre Diversidade Biológica da ONU, em Montreal, no Canadá. Junto com a Conferência do Clima, realizada no Egito em novembro, o evento é uma das arenas mais importantes de diplomacia climática que existem e tem a missão de estabelecer um inédito acordo global para proteger a biodiversidade planetária.

Assim como nas tratativas de clima, novamente o Brasil é um país chave, já que concentra sozinho cerca de 15% de todas as espécies de plantas, animais e microrganismos do mundo. Mas o país pode não estar ainda à altura de suas responsabilidades e importância - matéria do UOL apresenta indícios de que o atual governo tenta minar o acordo.

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Manapu, um homem Yawalapiti, segura uma arara-azul e amarela durante o Kuarup
Imagem: Ueslei Marcelino/Reuters

INDÍGENAS

Os Povos Indígenas em todas as geografias têm sido centrais para a proteção da diversidade biológica, e é esperado que o acordo da COP-15 faça um reconhecimento expresso deste fato, mas a política para os povos originários está sob escrutínio no anfitrião Canadá.

O discurso de abertura do primeiro-ministro Justin Trudeau foi interrompido por jovens ativistas, que acusam o governo de superpoliciar comunidades indígenas e subinvestigar crimes cometidos contra elas. O desaparecimento não esclarecido de duas indígenas está no centro da polêmica, que inclui ainda o legado de destruição e extinção de espécies deixado pela colonização europeia e pelo estilo de vida criado por ela no país.

biodiversidade - João Pedro Salgado / Arquivo Pessoal - João Pedro Salgado / Arquivo Pessoal
Macaco-aranha-da-cara-vermelha, animal ameaçado de extinção
Imagem: João Pedro Salgado / Arquivo Pessoal

POLÍCIA PARA QUEM PRECISA

A Interpol realizou esta semana uma mega operação batizada de Thunder 2022 para o cumprimento da CITES (Convenção sobre o Comércio Internacional de Espécies Ameaçadas de Fauna e Flora Selvagens).

Quase mil pessoas foram presas e mais de 100 empresas estão agora sob investigação pelo comércio ilegal de animais silvestres e madeira, mobilizando as alfândegas de 125 países —a maior do tipo desde 2017.

Um relatório divulgado este ano pela IPBES —maior autoridade científica para o tema da biodiversidade— estimou que o comércio de espécies silvestres é a terceira atividade ilegal do mundo, movimentando cerca de R$ 1 trilhão ao ano (US$ 199 bilhões).

biodiversidade - Reprodução/Instagram - Reprodução/Instagram
Árvore possui 7,13 m de circunferência, superando em 2,83 m a que antes era considerada a maior
Imagem: Reprodução/Instagram

PAU-BRASIL

Como país mais megadiverso do planeta, o Brasil é alvo preferencial dos traficantes da vida silvestre. Um exemplo é que os poucos exemplares de pau-brasil que restaram na Mata Atlântica ainda são visados por contrabandistas da indústria global de instrumentos musicais, sobretudo para confecção de arcos de violino, como mostra a reportagem da Revista Piauí distribuída em dose dupla (aqui e aqui).

A investigação, divulgada também em inglês, destaca a falta de controle para exportação e importação desses objetos, uma lacuna que pode ser fechada a partir de um entendimento na COP-15.

biodiversidade - Paulo Whitaker/ Reuters - Paulo Whitaker/ Reuters
5.out.2015 - Foto aérea mostra a floresta Amazônica (na parte superior) fazendo fronteira com terras desmatadas para o plantio de soja, em Mato Grosso.
Imagem: Paulo Whitaker/ Reuters

É LEI

A União Europeia obteve esta semana um acordo histórico para começar a barrar o desmatamento causado em outras geografias por meio dos produtos que entram no bloco - o EU Deforestation Regulation. O aumento acelerado do desmatamento na Amazônia brasileira durante os anos Bolsonaro foi uma das principais razões para a criação do tratado, que também tem a Indonésia na mira. O anúncio foi feito às vésperas da COP-15, cujo acordo pode resultar em barreiras a produtos com origem no desmatamento por parte de outros grandes mercados importadores. A nova legislação, que ainda não entrou em vigor, falha ao abordar apenas as florestas, deixando de fora outros biomas vitais, como o Cerrado.