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Cristina Tardáguila

REPORTAGEM

Texto que relata acontecimentos, baseado em fatos e dados observados ou verificados diretamente pelo jornalista ou obtidos pelo acesso a fontes jornalísticas reconhecidas e confiáveis.

Mulheres viram alvo das 'fake news' sobre covid-19

Mulher grávida tomando vacina - iStock
Mulher grávida tomando vacina Imagem: iStock

Colunista do UOL

13/05/2021 04h00

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"Abortos indesejados disparam 366% seis semanas após vacinas contra covid-19". "Mulheres vacinadas desenvolvem câncer de mama". "As vacinas causam infertilidade". Três manchetes. Três mentiras. Todas elas criadas a partir de dados tirados de contexto e com a clara intenção de alarmar as mulheres e convencê-las de que as vacinas contra covid-19 não são seguras.

Ao analisar o ataque do movimento antivacina às mulheres, fica claro que - uma vez mais - o Brasil importa desinformação. Os três boatos que já se alastram pelas redes sociais e aplicativos de mensagem no país vêm de outras nações e foram originalmente escritos em outras línguas.

A cascata do aborto, por exemplo, tem ao menos dois meses e deriva de postagens feitas no Reino Unido e nos Estados Unidos, com base em dados truncados.

Distorcendo estatísticas

Em 28 de março um obscuro site britânico escreveu que "o número de abortos tinha crescido 483% em apenas sete semanas" em decorrência das vacinas. Citava dados da Agência Reguladora de Medicamentos e Produtos de Saúde (MHRA, em inglês), mas errava na matemática. Intencionalmente ou não, a página não levou em consideração nem a porcentagem de mulheres vacinadas no período em questão nem o fato de que chega a 26% a taxa de abortos indesejados no Reino Unido. Em nota, enviada à agência de notícias Reuters, a MHRA negou qualquer relação entre vacinas contra covid-19 e aborto. O link britânico já foi postado por mais de 20 páginas de Facebook, já colheu quase 2 mil compartilhamentos no Facebook e circula livremente por Twitter, Reddit e Instagram.

Resultado: a desinformação cruzou o Atlântico e precisou ser novamente verificada pelos checadores do PolitiFact e do USA Today. Na versão que rodou nos Estados Unidos (tanto em inglês quanto em espanhol), os abortos indesejados tinham aumentado 366% após as injeções contra covid-19, e a base de dados que "sustentava" essa leitura era - imaginem só! - o Sistema de Notificação de Reações Colaterais das Vacinas (VAERS, em inglês).

Uma visita a esse site deixa claro que qualquer cidadão pode contribuir com o sistema, registrando um evento ocorrido após uma vacina. Assim, se alguém tomou a vacina e, depois disso, morreu em um acidente de trânsito, por exemplo, isso pode ser registrado no VAERS. Mas a relação de causalidade só pode ser feita depois de uma ampla investigação científica liderada pelo Centro de Controle e Prevenção de Doenças dos Estados Unidos (CDC). Até que isso aconteça, para voltar ao exemplo, é errado afirmar que as vacinas provocaram as mortes de trânsito. Mas os anti-vacinas ignoraram isso.

Aviso sobre mamografias

O boato do câncer de mama é mais antigo, mais mal fabricado - mas igualmente capaz de alarmar as mulheres. Em 9 de fevereiro, um especialista em mamografia do Intermountain Healthcare Center, situado no estado americano de Utah, fez um vídeo institucional sugerindo que suas pacientes agendassem mamografias antes de tomar a vacina contra covid-19. Em uma pesquisa, o médico havia detectado alguns casos de falso positivo para câncer de mama em mulheres recém-vacinadas contra o novo coronavírus.

Mas essa parte da história foi propositalmente "mal entendida". Circula na internet que as vacinas provocavam câncer de mama. Quando, na verdade, elas só podem reduzir a clareza dos exames radiológicos.

A mentira sobre a infertilidade feminina não é exclusiva das vacinas para covid-19, mas ganhou tanta força que o jornal The Washington Post resolveu escrever um longo artigo sobre seu impacto. Pesquisa feita pela Kaiser Family Foundation nos Estados Unidos entre 11 e 18 de janeiro mostrou que as mulheres não só são o grupo mais suscetível a rejeitar vacinas como o mais alarmado com possíveis efeitos colaterais. Dois terços das entrevistadas se disseram muito preocupadas ou preocupadas com o assunto. Doze por cento disseram ter visto o trabalho de checadores de fatos, mas, ainda assim, tinham dúvidas sobre as vacinas.

Vacinas testadas

É importante, então, repetir aqui: todas as vacinas aplicadas no Brasil passaram pela aprovação da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). São, portanto, consideradas cientificamente seguras para uso em humanos - homens ou mulheres.

Também vale ressaltar que, ao centrar sua artilharia no segundo grupo, os desinformadores da vez lançam mão daquilo que alimenta e sustenta as notícias falsas de modo geral: o medo e as crenças. As três mentiras aqui abordadas tentam jogar sombra no que muitos consideram ser desejos e preocupações culturalmente ligados às mulheres.

É hora, portanto, de o sexo feminino mostrar que sabe interpretar informações científicas e seguir lutando por uma injeção contra o novo coronavírus.

Cristina Tardáguila é fundadora da Agência Lupa e colunista da Fundação Gabo (Colômbia) e Univision (EUA).