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Cristina Tardáguila

REPORTAGEM

Texto que relata acontecimentos, baseado em fatos e dados observados ou verificados diretamente pelo jornalista ou obtidos pelo acesso a fontes jornalísticas reconhecidas e confiáveis.

Dados truncados e ameaças claras. Assim está o 7 de Setembro no WhatsApp

Colunista do UOL

02/09/2021 13h36

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O áudio dura três minutos e 25 segundos. A voz - de mulher - não tem um nome nem um sotaque característico. O tom, no entanto, é dramático. "Façam estoque para dentro de casa. Vai faltar tudo. E o que tiver vai ser muito caro. Ah! O que tiverem que resolver por redes sociais resolvam logo. (No dia 7 de setembro) Estamos correndo grave risco de todas as redes sociais serem bloqueadas. A gente está numa guerra."

A gravação que circula pelo WhatsApp foi enviada às equipes de checagem que atuam no Brasil centenas de vezes nos últimos três dias. E ela é apenas uma das várias versões que, com conteúdo inflamatório semelhante, buscam acirrar os ânimos em relação ao próximo feriado nacional.

"O agronegócio já avisou que vai parar. Vão levar (carga) só até o dia 30 (de agosto)", diz um homem com sotaque do sul, em outro áudio viral. "Vai parar tudo. Vamos ver uma coisa que nunca aconteceu por aqui. Talvez só em 64, quando teve a revolução", acrescenta o indivíduo, em referência ao golpe militar de 1964.

Em todos os arquivos que aterrissam nas redações de fact-checking sobre o 7 de setembro, os autores são anônimos e, curiosamente, as datas e as horas de bloqueio de estradas e paralisação de serviços são diferentes. Uns dizem que "o caos" ocorrerá já no próximo fim de semana, outros que começa no próprio dia 7.

Também não há concordância com relação aos objetivos dessas supostas manifestações. Enquanto a mulher do primeiro áudio relatado acima defende uma paralisação nacional até "esse negócio do voto impresso sair", o homem da segunda gravação afirma que "vai travar tudo" até o impeachment de todos os ministros do Supremo Tribunal Federal.

Uma salada geral.

Tentar mobilizar greves por WhatsApp é prática desde junho de 2018, quando o Brasil enfrentou sua última grande paralisação de caminhoneiros. Se naquele ano o pânico levou a cenas reais de desabastecimento e pode, inclusive, ter contribuído para o desfecho vitorioso do movimento, agora não há qualquer garantia de que teremos uma greve - muito menos a suspensão de acesso a redes sociais.

Mesmo assim, é alta a viralização de áudios que inflacionam o debate sobre o próximo 7 de setembro. Numa das gravações que recebi hoje, um suposto ex-candidato a vereador de uma cidade não identificada cruza a linha democrática e promete "invadir Brasília para fazer valer o artigo 1 da Constituição, aquele de que o poder emana do povo". Com voz robusta, diz que, se o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, não aceitar as demandas que ele apresentar, "somos nós que vamos riscar o fósforo".

E o que sobra para os checadores? O trabalho - hercúleo - de monitorar tantas vozes desconhecidas e pinçar nesses áudios dados muito específicos que podem ser verificados. É um trabalho de formiguinha - com impacto difícil de ser medido.

Enquanto os checadores tentam averiguar se "o agronegócio" já garantiu a entrega "de mais de 500 mil refeições por dia para os manifestantes que pretendem ir a Brasília na semana que vem", mais e mais cidadãos são engolfados pelo discurso inflamado que circula livre no WhatsApp. Faça a sua parte para conter a desinformação.

Cristina Tardáguila é diretora sênior de programas do ICFJ e fundadora da Agência Lupa