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Cristina Tardáguila

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

A lista VIP chegou às redes sociais (e você não faz parte dela)

10 de junho - Snowden - AFP
10 de junho - Snowden Imagem: AFP

Colunista do UOL

21/10/2021 11h42

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Disseram, certa vez, que a internet e as redes sociais eram (e sempre seriam) um território democrático. Um espaço de iguais, com voz e lugar para todos. Notícias recentes mostram, no entanto, que a lógica das castas e dos VIPs corroeu essa proposta tanto no Telegram quanto no Facebook.

No último domingo (17), o analista de sistemas e famoso whistleblower da Agência Nacional de Segurança americana (NSA), Edward Snowden, foi ao Twitter reclamar do Telegram. Estava aborrecido com a existência de um canal falso, criado em seu nome, que já atingia mais de 80 mil pessoas e que havia difundido a imagem de uma suástica.

"Excelente trabalho, pessoal (do Telegram). Maravilhoso", ironizou Snowden, diante da evidente paralisia do aplicativo de mensagens diante do canal desinformativo.

Mas, ao contrário do que acontece com a imensa maioria dos mortais, Snowden é VIP. Não precisou gritar muito mais. Não precisou mandar e-mail, ligar chorando ou pedir ajuda de colegas para denunciar uma página. Teve seu problema resolvido em 12 horas e ainda recebeu uma resposta pública de quem? Pavel Durov, CEO do Telegram.

"Esse canal tem cerca de uma semana de vida e nunca teve a marca de 'verificado'", respondeu Pavel Durov, também por meio de sua conta no Twitter. "O canal já foi marcado como falso e removido do sistema de buscas".

Pá-pum. Eficiente como nunca.

Para quem luta contra a desinformação e acompanha o avanço do discurso de ódio, esta é só mais uma prova de que é preciso ter sobrenome, ser político ou celebridade para ser ouvido e atendido pelas empresas de tecnologia com a devida presteza.

Na vida real, quem recebe ameaça de morte, tem perfil clonado, foto adulterada ou é linchado virtualmente fica no vácuo. Aguarda meses. Denuncia e raramente vê seu problema ser resolvido. Se o problema acontecer no Brasil - e em português - então. Nossa!

Nesta quinta-feira, o Oversight Board do Facebook, grupo de especialistas que promete acompanhar de perto e questionar a empresa de Mark Zuckerberg sobre suas mais polêmicas decisões, informou ter pedido explicações sobre o grupo XCheck (Cross-Check), denunciado pela whistleblower Francis Haugen no Congresso dos Estados Unidos.

Haugen contou aos políticos americanos que o XCheck reunia um número ainda indefinido de personalidades que estariam isentas da aplicação das regras de moderação criadas pelo próprio Facebook. Sabe-se, por Haugen, que políticos e celebridades tinham não só mais liberdade para existir nessa plataforma como também mais proteção para o caso de eventuais problemas.

O Oversight Board não sabia disso e pediu explicações. Assim como o resto do planeta, quer saber como se escolhe quem é e quem não é VIP e quais implicações isso tem.

Para Francisco Brito Cruz, diretor do InternetLab, esses casos de "vipismo" nas redes sociais evidenciam - mais uma vez - as desigualdades existentes na aplicação das regras que as próprias plataformas criam para tratar seus usuários.

"Há o 'atacado' e há o 'varejo", diz Brito Cruz. "O primeiro é para o cidadão comum. O segundo é para os grandes influenciadores. E tudo isso é aparentemente baseado em decisões comerciais e de relações públicas".

A Safernet, instituição sem fins lucrativos que há 15 anos é referência em segurança e cidadania digital no Brasil, conta que, desde 2006, já atendeu mais de 32 mil vítimas de violência online (sendo 69% delas meninas e mulheres).

Há anos a Safernet tenta contato com o app de mensagens sem "jamais ter sido contactada ou ter retorno da empresa sobre questionamentos legítimos relacionados à segurança dos usuários brasileiros na plataforma".

Ao avaliar o episódio Snowden e a velocidade com que a crise foi desfeita, a entidade ironizou:

"Lamentamos não fazer parte da lista VIP do Telegram".

Cristina Tardáguila é diretora sênior de programas do ICFJ e fundadora da Agência Lupa