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Cristina Tardáguila

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

'Datapovo' é o mais novo fiasco das falsas narrativas bolsonaristas

17.jun.2020 - O ministro das Comunicações, Fábio Faria, em evento no Palácio do Planalto - Adriano Machado/Reuters
17.jun.2020 - O ministro das Comunicações, Fábio Faria, em evento no Palácio do Planalto Imagem: Adriano Machado/Reuters

Colunista do UOL

02/06/2022 04h00

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Quem viu riu. Alguns, porque era engraçado. Outros, pelo mais puro sentimento de vergonha alheia. Fato é que, pela segunda vez em menos de um ano, o bolsonarismo contabilizou um verdadeiro fiasco ao recorrer às redes sociais na tentativa de disseminar narrativas falsas que poderiam ser extremamente perigosas. Para quem acompanha de perto a luta contra a desinformação, o momento merece destaque.

Na última quinta-feira (26), seguindo a já conhecida cartilha das notícias falsas difundidas (por todo o mundo) em ano eleitoral, o ministro das Comunicações, Fábio Faria, foi ao Twitter para tentar colocar em xeque a credibilidade do Datafolha. Naquela tarde, o instituto de pesquisa havia concluído que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, principal rival do presidente Jair Bolsonaro nas eleições deste ano, teria chances de ser eleito presidente ainda no primeiro turno.

Profundamente descontente com a mensagem, Faria resolveu atacar? o mensageiro. Abriu uma enquete pública e perguntou aos mais de 485 mil seguidores que reúne naquela rede social em quem eles confiavam mais: "Papai Noel, duendes, Pinóquio ou Datafolha".

Para surpresa do ministro (e talvez do bolsonarismo como um todo), o resultado final refletiu exatamente o oposto daquilo que ele esperava. Com mais de 238 mil votos computados, o mecanismo de enquetes do Twitter (que, até onde sei, não é alvo de falsas acusações de fraude) registrou ampla vitória do Datafolha. Para quase 65% das pessoas que participaram do tolo levantamento orquestrado por Faria (uma enquete nunca pode ser tratada como uma pesquisa), o instituto é - sim - confiável. Ou seja, a estratégia de Faria foi um tiro que saiu pela culatra.

Outros dados também obtidos no Twitter, dessa vez pelo Observatório de Conflitos na Internet da Universidade Federal do ABC (UFABC), indicam que os ataques à credibilidade do Datafolha encontraram um verdadeiro paredão digital, composto pelos mais diversos veículos de imprensa e por apoiadores do ex-presidente Lula.

Entre os dez perfis mais retuitados nas quase 16 horas que sucederam a revelação dos dados da última pesquisa de intenção de voto do Datafolha, por exemplo, cinco se alinhavam com Bolsonaro e com sua crítica à pesquisa. Quatro, no entanto, eram associados a veículos de comunicação e um era claramente pró-Lula. Sinais de que a narrativa anti-Datafolha não encontrou eco nem na mídia nem entre os tuiteiros que se alinham com outras correntes políticas (ou mesmo com nenhuma).

E o que se deduz disso tudo? Que a sugestão bolsonarista de que o Datafolha deve ser ignorado e que, em seu lugar, o eleitor deve considerar o "Datapovo" ou o "Datanaro" (termo cunhado por Flávio Bolsonaro) não vingou.

Ainda de acordo com a UFABC, a proposta representou apenas 37% das conversas vistas no Twitter naquela noite e na manhã seguinte. A defesa do Datafolha e a amplificação de seus resultados, por outro lado, foi avassaladora, correspondendo a 57% dos tuítes publicados naquele período. (Nota: ainda houve um grupo de seguidores de Ciro Gomes que apareceu nas análises feitas exaltando o fato de o candidato ter registrado a menor taxa de rejeição entre os presidenciáveis).

Mas por que, afinal, esses dados são relevantes? Porque mostram que esse tipo de ataque - visto nas eleições americanas e francesas - parece não ter chances de se enraizar pelo Brasil. Que essa falácia tende a seguir o mesmo caminho trilhado pelas falsidades alardeadas pelo bolsonarismo com relação à eficácia das vacinas contra a covid-19.

Pense bem. E veja os dados.

Mesmo ouvindo de fontes governamentais que eles não deveriam se vacinar, quase 80% dos brasileiros estão hoje imunizados. Tanto no caso das vacinas quanto do Datafolha, soubemos nos blindar de narrativas absurdas que - obviamente - não encontravam respaldo em dados científicos gerados aqui ou no exterior.

E isso é bom.

O brasileiro médio não parece muito disposto a comprar o discurso de que as pesquisas eleitorais não são fiéis nem críveis. Convive com elas há décadas. E isso é torna o trabalho dos desinformadores mais complicado. Atacar as gotinhas (ou injeções) e os dados eleitorais é tarefa mais difícil do que os bolsonaristas podiam imaginar.

Cristina Tardáguila é diretora sênior de programas do ICFJ e fundadora da Agência Lupa