O direito deve ser condutor de ações internas e internacionais da República
Por Luís Renato Vedovato*
O recém-lançado Programa Renascença, construído de forma coletiva, indica um necessário caminho de repensar decisões tomadas nos últimos dois anos pelo Brasil nas relações internacionais. Focando no respeito a princípios constitucionais, envolve ideias de racionalidade, pragmatismo e ciência, e valores humanistas de solidariedade, inclusão, participação, desenvolvimento e justiça socioambiental.
Ao fim da Segunda Guerra Mundial, a descoberta das atrocidades nazistas mostrou ao mundo o quanto governos podem tornar-se violadores de direitos fundamentais. A conceituação de soberania absoluta só existiu em teoria, mas houve (e ainda há) quem nela se fie para não ser controlado.
A escolha dos fundadores da Organização das Nações Unidas foi outra: o esforço conjunto para a construção pontes de solidariedade e de combate a ações autoritárias, destruidoras da dignidade humana. Tratados e estruturas normativas foram erguidos para efetivar controles e evitar novas tragédias.
Passados 75 anos, são claros os sinais de que a tarefa foi bem-sucedida. Não apenas pelo longo período sem conflitos globais mas também pelos ataques que as normas internacionais e a ONU continuam a sofrer por parte de grupos populistas pelo mundo.
Jan-Werner Müller ensina que o populismo e o constitucionalismo não podem andar juntos. Os populistas são contra instituições em geral e contra os freios e contrapesos previstos nas constituições. Em vez disso, afirmam encarnar uma vontade popular irrestrita, estabelecendo suposto relacionamento não mediado entre líder carismático e povo. Os populistas são necessariamente anti-pluralistas. Tentam afastar o direito e a exigência de prestar contas à sociedade.
Sensível à necessidade de controle de governos, a Constituição Federal também está em sintonia com essa construção de estruturas e normas internacionais, como vem estampado no seu artigo 4º. Em paralelismo com o surgimento da ONU, que se deu após a vitória contra governos totalitaristas, a Constituição Federal nasce após momento crítico da história brasileira. Ela vem em seguida à ditadura militar (1964-1985), que levara o Brasil a se distanciar (se não no vínculo formal, ao menos na aplicação prática) dos compromissos que a diplomacia nacional refletira por sua posição de protagonismo durante a criação da ONU.
A Constituição de 1988 veio, portanto, trazer controles aos governos internos, tanto federal, quanto estaduais e municipais. Nesse contexto é que se coloca o seu artigo 3º, pelo qual se definem os objetivos da República Federativa do Brasil: a construção de uma sociedade livre, justa e solidária; a garantia do desenvolvimento nacional; a erradicação da pobreza e da marginalização; e a redução das desigualdades sociais e regionais, a promoção do bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.
Na tentativa de fortalecer seu conteúdo autoritário, candidatos e governos procuram atalhos enfraquecendo a democracia. Fugir das regras jurídicas e da ideia de sustentabilidade ajuda no acobertamento de danos a minorias e violações ambientais. É natural, portanto, que a Constituição incomode aqueles nostálgicos de cenários ditatoriais.
Historicamente, o remédio para evitar desastres populistas é o direito, que tem mais força quando se faz na junção das conquistas internacionais com a efetividade interna. A diplomacia é a catalisadora desse diálogo.
Quem ataca o direito internacional sabe que estruturas de cooperação jurídica internacional, que se aprofundam em contextos de integração, aumentam a necessidade de prestação de contas. Só é possível combater a criminalidade transnacional e a lavagem de dinheiro com a aplicação do direito internacional.
O objetivo dos que chamam direitos humanos e sustentabilidade de "globalismo" talvez seja o de disfarçar sua tentativa de enfraquecer o direito internacional e a diplomacia democrática com o intuito de diminuir regulações, enfraquecer controles e facilitar a lavagem de dinheiro, a criminalidade internacional e outras violações.
Uma diplomacia que renasça no campo dos direitos humanos e avance na proteção ambiental vai permitir o desenvolvimento nacional naquilo que nos interessa: em igualdade, republicanismo, cooperação internacional, solidariedade e democracia.
*Luís Renato Vedovato é professor, doutor em direito internacional pela Faculdade de Direito da USP e autor de "O Van Gogh Esquecido" (2020). Participou, em 13 de outubro, do debate sobre o Objetivo 1 do Programa Renascença: reduzir desigualdades.
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