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Como a COP26 se relaciona com a geopolítica da Amazônia

Ministro do Meio Ambiente do Brasil, Joaquim Alvaro Pereira Leite, na COP 26 - Yver Herman/Reuters
Ministro do Meio Ambiente do Brasil, Joaquim Alvaro Pereira Leite, na COP 26 Imagem: Yver Herman/Reuters

Colunista do UOL

12/01/2022 12h55

Por Giovani del Prete*

O texto final da COP26, realizada em Glasgow, resultou de duas semanas de negociações em que representantes de quase 200 países debateram muitos temas, mas construíram poucos acordos para implementação do Acordo de Paris.

A regulamentação do artigo 6º, que organiza regras para o mercado de carbono, foi o maior resultado desta COP. Contudo, questões essenciais relativas ao financiamento climático por parte dos países ricos atravancam a execução de uma agenda planetária que consiga articular desenvolvimento econômico com justiça ambiental.

A promessa de 2009, feita pelas nações desenvolvidas, de desembolsar US$ 100 bilhões por ano até 2020 ficou para 2025. Esta falta de comprometimento dos países ricos enfraquece as ambições das demais delegações para alcançar os acordos e realizar as ações necessárias. Sem a liderança das economias mais avançadas e, por consequência, as mais poluidoras, as negociações multilaterais não terão êxito. Segundo levantamento feito pelo Global Carbon Project, desde 1850 os cinco maiores produtores de gases de efeito estufa dentro do bloco dos países desenvolvidos foram: os Estados Unidos (24,6%), Alemanha (5,5%), Reino Unido (4,4%), Japão (3,9%) e França (2,3%), totalizando 40,7% da emissão desses gases nos últimos 170 anos. Já o bloco dos países em desenvolvimento é liderado por China (13,9%), Rússia (6,8%), Índia (3,2%); em décimo lugar está o Brasil (1%).

Além da responsabilidade em custear a transição energética para a economia de baixo carbono, tanto dentro quanto fora de suas fronteiras nacionais, cabe também aos países ricos cooperarem com os países pobres e em desenvolvimento através de transferência tecnológica e assistência técnica para concretizar as promessas aprovadas nas conferências da ONU.

Entretanto, ao analisarmos as relações econômicas e políticas entre os países centrais (ricos) e os países periféricos (em desenvolvimento e pobres), identificamos que há uma estrutura de poder que reproduz a desigualdade de condições para que o planeta contenha seu aquecimento em até 1,5 ºC até o ano de 2100, em comparação com as temperaturas registradas em meados do século XVIII, na época pré-industrial.

Mais do que não prover financiamento climático adequado, os governos dos países ricos subsidiam a expansão dos negócios dos grandes grupos econômicos, com sede nos países do Norte, que lucram com a mercantilização da natureza. Aqui estamos falando de corporações como a suíça Nestlé e a estadunidense Coca-Cola, com a apropriação da água potável de muitos países, por exemplo; ou a anglo-australiana BHP Billiton, mineradora co-responsável pelos crimes ambientais de Mariana e Brumadinho; ou também poderíamos citar as empresas do complexo industrial-militar dos Estados Unidos, que deslocam navios, aviões e tanques a partir da queima de petróleo, além de bombardear territórios e deixar destroços e produtos tóxicos para trás. São os projéteis, veículos e equipamentos vendidos pela Lockheed Martin e Boeing, por exemplo, com que os exercícios militares dos Estados Unidos e suas mais de 800 bases militares mundo afora —da Otan, da coalizão Aukus, do grupo Quad e aliados— são realizados.

Por outro lado, de nossa parte enquanto países periféricos, esta poderosa concentração e centralização de capitais é uma ameaça para a soberania de nossos territórios. Isso porque, só na América do Sul, estão algumas das grandes reservas dos recursos naturais imprescindíveis para a reprodução do sistema de acumulação capitalista.

Os dados levantados pela professora Mônica Bruckmann demonstram o que está em jogo em termos geopolíticos para a nossa região: temos 94% das reservas mundiais de lítio, 96% do nióbio, 36% do cobre, quase 30% da água doce de todo o planeta e sete dos dez países com as maiores biodiversidades do mundo.

Ao priorizar a regulamentação do mercado de carbono, em vez de garantir o financiamento climático planetário, os países ricos estão trabalhando pela mercantilização da natureza. Afinal, estamos falando de um mercado criado a partir de um dos serviços ambientais prestados pela natureza (capturar o carbono da atmosfera).

As perspectivas pós-COP26 para este mercado estão superaquecidas, fazendo acelerar a especulação do valor da terra em áreas com alta performance para absorção de carbono do ar. Os professores Fairhead, Leach e Scoones, da Universidade de Sussex, chamam este processo de "green grabbing", que consiste na articulação entre mercado financeiro e meio ambiente, produzindo o chamado "capitalismo verde", convertendo água, ar, clima, vegetação e solo e em commodities.

Nesse cenário pós-acordos da COP26, a floresta Amazônica possui importância geopolítica estratégica. Como podemos ver no mapa abaixo, presente em oito países e uma província francesa, a Amazônia corresponde a 40% do território da América do Sul, carrega 17% da água doce mundial e representa um terço das florestas latifoliadas do planeta. É com estes dados em mãos que a geógrafa brasileira Bertha Becker afirmava que a "Amazônia é o coração ecológico do planeta".

amzonia - Reprodução - Reprodução
Mapa da Amazônia
Imagem: Reprodução

É evidente que a regulamentação do mercado de carbono faz aumentar os interesses dos grandes grupos de investidores internacionais nas águas, florestas e biodiversidade amazônicas e em todos os outros biomas em outras partes do mundo. Sob a ótica do "capitalismo verde", estamos observando o desenvolvimento de um mercado a mais para a reprodução do neoliberalismo, com a mercantilização da natureza via financeirização dos serviços ambientais prestados por ela.

Na avaliação do presidente da COP26, Alek Sharma, o acordo conseguido em Glasgow foi "uma vitória frágil", pois expressa um descompasso entre o que sabemos que deve ser feito e o que realmente é feito. É importante entender a complexidade e radicalidade da crise para que possamos debater e executar o melhor —e não o mais possível— conjunto de políticas globais para não superarmos os 1,5°C.

Do nosso ponto de vista, financiamento climático, transição energética para baixo carbono, tolerância zero com desmatamento, transferência tecnológica e cooperação internacional são os cinco itens indispensáveis para a agenda internacional de qualquer país sério que de fato esteja comprometido com o presente e com o futuro da Humanidade. É esta a agenda ambiental internacional que devemos priorizar para garantir a reprodução da vida com qualidade em nosso planeta.

Aliado da crise ambiental, o atual governo brasileiro derrete a liderança internacional que nosso país já desempenhou sobre temas ambientais. Até mesmo na agricultura podemos identificar nosso atraso em relação às discussões da COP26.

Para o professor do Bacharelado em Relações Internacionais da UFABC, Olympio Barbanti, "o conjunto de acordos de Glasgow aponta para uma necessária modificação estrutural na agropecuária brasileira" ao tratar sobre florestas, cidades, uso da terra, metano e agropecuária, envolvendo instituições financeiras para o desenvolvimento de um capitalismo moderno na agricultura, enquanto "o governo Bolsonaro realiza o oposto, incentivando uma ocupação da Amazônia para uma pecuária extensiva, de baixíssima ou nenhuma tecnologia".

O Estado brasileiro possui papel singular no cumprimento dessa agenda. Dos 9 países amazônicos, o Brasil possui 60% dos 5,5 milhões quilômetros quadrados da floresta. Portanto, o protagonismo do nosso país em qualquer discussão ou acordo relativos ao meio ambiente e à Amazônia é uma obrigação. Na primeira década deste século nós mostramos ao mundo que é possível combater o desmatamento, fortalecer os órgãos públicos de fiscalização e controle ambientais, ao mesmo tempo em que desenvolvemos nossa economia aumentando a produtividade agrícola com distribuição de renda.

Por fim, mais uma vez citando as ideias de Bertha Becker, temos que superar o paradigma da "economia de fronteira", fundado na extração de valor da floresta quando derrubada, para transitarmos para uma indústria de biotecnologia do século XXI, com uso de tecnologia de ponta para gerarmos emprego, renda e lucros a partir da floresta em pé, desenhando políticas públicas para o desenvolvimento econômico, social e soberano do território e povo amazônicos.

*Giovani del Prete é militante do Levante Popular da Juventude, bacharel em Relações Internacionais e mestrando em Economia Política Mundial, ambos pela UFABC.
Delprete.giovani@gmail.com