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A viagem de Bolsonaro é positiva para um mundo multipolar

28.jun.2019 - Presidente Jair Bolsonaro, do Brasil, e presidente Vladimir Putin, da Rússia, durante Encontro do G20, em Osaka - Mikhail KLIMENTYEV / AFP
28.jun.2019 - Presidente Jair Bolsonaro, do Brasil, e presidente Vladimir Putin, da Rússia, durante Encontro do G20, em Osaka Imagem: Mikhail KLIMENTYEV / AFP

Colunista do UOL

16/02/2022 09h08

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Gilberto Maringoni *

Jair Messias Bolsonaro está em Moscou. É um personagem quase nulo em importância e merece raras menções até aqui na mídia internacional. É um extremista isolado que vai ao outro lado do mundo negociar fertilizantes, em meio a tensões que catalisam corações e mentes por toda parte.

Por incrível que pareça e sabendo-se que o Brasil se tornou um ator irrelevante, a viagem é positiva para a consolidação de uma ordem internacional multipolar. Pouco importam os resultados práticos para o boçal. O certo é que o périplo - marcado em novembro, antes da fase aguda da crise - contribui para quebrar um suposto isolamento russo e mostra que uma bipolaridade mecanicista num mundo para lá de complexo não é mais possível. Até porque a Rússia - e sua aliada, a China - jogam nos parâmetros globais impostos por Washington e pela Otan.

Washington esperava que Bolsonaro, enfraquecido e desmoralizado, se dobrasse a pressões externas e internas e cancelasse a visita. Não o fez. A excursão deixa claro que o aliado preferencial de Bolsonaro não são os Estados Unidos, mas Donald Trump, embora o Brasil seja um país subordinado ao Império.

A essa altura, é muito difícil que haja guerra ou invasão russa à Ucrânia. Vladimir Putin dá um baile político em Joe Biden, ao tensionar a situação ao extremo, jogar com a divisão europeia - materializadas nas justas vacilações de Alemanha e França - e, especialmente, ao firmar um histórico acordo com Pequim.

O presidente estadunidense piscou e entra em uma defensiva da qual tem dificuldades de sair. Tentou mostrar força, fez bravatas - a ameaça ao funcionamento do gasoduto Nord Stream 2 é risível - e colhe desgaste interno. Provavelmente perderá as decisivas eleições de novembro para um partido Republicano que se consolida como vanguarda da extrema-direita global.

É absolutamente secundária, deste ponto de vista, a ideia de que Bolsonaro irá se encontrar com um líder conservador em direitos dos vulneráveis, como ele. No jogo de cachorro grande em que se transformou a questão euroasiática, essa é minudência que pode muito bem-estar na cabeça do genocida e de seus desocupados generais (desculpem o pleonasmo). Há até análises delirantes dando conta de que os brasileiros irão ao país das estepes aprender técnicas de fraude eleitoral. Tais lições vêm dos EUA, pelas mãos de gente como Steve Bannon e seus agregados extremistas.

Com a vilegiatura, Bolsonaro colhe reprovação exaltada dos americanófilos de plantão, como Globo, farialimers e outros. Instala-se a confusão entre a direita e a extrema-direita aqui dentro. Pode haver um desgaste expressivo para o mandatário.

Repito: pensando num mundo multipolar e na democracia brasileira, não é ruim, não. Nem um pouco.

* Gilberto Maringoni é professor de Relações Internacionais da UFABC e coordenador do Observatório de Política Externa e da Inserção Internacional do Brasil - OPEB.