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Diálogos Públicos

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Participação para além da bolha: um desafio estratégico para Lula

SP - MANIFESTAÇÕES/PROTESTO/OPOSIÇÃO/BOLSONARO - POLÍTICA - Ato pró-democracia e contra o governo do presidente da República, Jair Bolsonaro       (sem partido), no Largo da Batata, no bairro de Pinheiros, na zona oeste de São       Paulo, neste domingo, 07. Após a decisão da Justiça estadual de proibir protesto       antagônicos na Avenida Paulista, neste domingo, 07, grupos pró- democracia       remarcaram seus atos para o Largo do Batata. O ato foi convocado por movimentos       negros, torcidas organizadas dos quatro grandes clubes de São Paulo e por       movimentos sociais integrantes da "Frente Povo Sem Medo". Além de cartazes contra       Bolsonaro, a manifestação lembrou o assassinato de George Floyd, nos Estados       Uidos, dos meninos João Pedro, no Rio, e Miguel Otávio Santana da Silva, no       Recife. O ato também pediu que o Ministério da Saúde volta a divulgar com       transparência dos dados sobre o avanço da pandemia de coronavírus no País.     07/06/2020 - Foto: TABA BENEDICTO/ESTADÃO CONTEÚDO - TABA BENEDICTO/ESTADÃO CONTEÚDO
SP - MANIFESTAÇÕES/PROTESTO/OPOSIÇÃO/BOLSONARO - POLÍTICA - Ato pró-democracia e contra o governo do presidente da República, Jair Bolsonaro (sem partido), no Largo da Batata, no bairro de Pinheiros, na zona oeste de São Paulo, neste domingo, 07. Após a decisão da Justiça estadual de proibir protesto antagônicos na Avenida Paulista, neste domingo, 07, grupos pró- democracia remarcaram seus atos para o Largo do Batata. O ato foi convocado por movimentos negros, torcidas organizadas dos quatro grandes clubes de São Paulo e por movimentos sociais integrantes da "Frente Povo Sem Medo". Além de cartazes contra Bolsonaro, a manifestação lembrou o assassinato de George Floyd, nos Estados Uidos, dos meninos João Pedro, no Rio, e Miguel Otávio Santana da Silva, no Recife. O ato também pediu que o Ministério da Saúde volta a divulgar com transparência dos dados sobre o avanço da pandemia de coronavírus no País. 07/06/2020 - Foto: TABA BENEDICTO/ESTADÃO CONTEÚDO Imagem: TABA BENEDICTO/ESTADÃO CONTEÚDO

Colunista do UOL

12/12/2022 09h52

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Wagner Romão* e
Lizandra Serafim**

A participação social vem sendo encarada pela equipe de transição do governo Lula como uma necessidade "transversal", isto é, que deve ser inserida no organograma de todos os ministérios. O novo governo tem diante de si o desafio de restituir e aprimorar os formatos mais consagrados de participação como os conselhos e as conferências nacionais de políticas públicas, e ir além, construindo formatos mais inovadores. Essas ações têm sido vistas como cruciais para que seja mantida uma interlocução entre o governo Lula e a sociedade brasileira que vá além da "bolha" dos movimentos sociais e da esquerda.

A Constituição de 1988 prevê a participação direta da população em referendos e plebiscitos - algo pouco desenvolvido no país - e também a participação da sociedade na formulação e no controle social de diversos setores de políticas públicas. A experiência brasileira de participação social se fortaleceu após a promulgação da Constituição, e o país tornou-se referência internacional de instrumentos de inovação democrática.

Nos estados e municípios, a disseminação de conselhos de políticas públicas com a participação da sociedade civil se afirmaram como peça estrutural da gestão pública em setores importantes como saúde, educação e direitos da criança e adolescente. As conferências também se constituíram como processos participativos de avaliação e definição dos rumos das políticas públicas. Sobretudo no âmbito local, o orçamento participativo passou a ser recomendado pela ONU como boa prática de gestão pública.

Este cenário se fortaleceu com os governos petistas, a partir de 2003. Desde Brasília, Lula e Dilma Rousseff ampliaram a arquitetura de participação social a novos setores de políticas e mobilizaram movimentos sociais, gestores públicos, organizações da sociedade civil, acadêmicos e especialistas em conselhos, conferências, fóruns e mesas de diálogo.

Junho de 2013, no entanto, explicitou os limites da experiência brasileira. A grande maioria dos milhões de brasileiros e brasileiras que foram às ruas pouco ou nada sabiam sobre a participação social institucionalizada. A pressão vinha também de movimentos sociais que viam como pouco efetivos os espaços de participação.

A instabilidade do processo político subsequente, com a contestação da reeleição de Dilma Rousseff e o posterior golpe parlamentar de 2016, dificultaram todas as tentativas de aperfeiçoar os mecanismos institucionais de participação social. A cena dos protestos no Brasil passou a ser dominada pelos grupos de direita e extrema-direita que hoje seguem às portas dos quarteis. As redes sociais e aplicativos como o WhatsApp e o Telegram tornaram mais barata a mobilização sociopolítica e incluíram grupos que rechaçam a política como forma de resolução de conflitos sociais e atualizam a tradição autoritária da sociedade brasileira de silenciamento de grupos marginalizados.

Por tudo isso, a retomada de um governo democrático, de diálogo com amplos setores da sociedade, precisa revisitar a experiência participativa anterior e superá-la. As expectativas em torno da reconstrução da participação social no Brasil neste momento político são imensas.

A equipe de transição do governo Lula se estruturou em 32 grupos temáticos, mas nenhum deles trazia explicitamente o tema da participação social. Acertou-se, então, a instalação de um Conselho de Participação Social, em reunião ocorrida em 18 de novembro entre as frentes ligadas aos movimentos sociais, às centrais sindicais e às redes da sociedade civil e Gleisi Hoffmann, presidenta do PT e coordenadora de articulação política da transição.

Cerca de 50 representações de movimentos sindicais, populares e redes nacionais da sociedade civil fizeram parte de um esforço para formular proposições para a retomada da participação social no governo federal. Foram criados quatro subgrupos de trabalho para a realização de diagnósticos e prognósticos sobre conselhos e conferências, planejamento e orçamento participativo nacional, interação estado e sociedade e novas formas de participação.

Como forma de colaboração no processo de transição de governo, a Rede Democracia e Participação, o INCT Instituto da Democracia e da Democratização da Comunicação e a Rede Brasileira de Orçamento Participativo realizaram em Brasília na última semana o Seminário "A Reconstrução da Participação Social no Brasil". O evento reuniu lideranças de movimentos sociais, representantes de organizações da sociedade civil, acadêmicos e gestores públicos com o objetivo de construir diagnósticos, prognósticos e propostas para a reconstrução da participação em nível nacional, sistematizados em um relatório submetido à apreciação dos membros do Conselho de Participação Social do Gabinete de Transição Governamental.

Dentre as propostas apresentadas no relatório, destaca-se a necessidade de reativação e restituição das funções de conselhos, conferências e políticas participativas desmanteladas nos últimos anos, e avançar na garantia de efetividade à participação. Outro ponto de destaque é a necessidade de garantir a transversalidade da participação social, através do resgate do papel da Secretaria Geral da Presidência da República, e da criação de pontos focais para participação nos órgãos da Administração Pública Federal, de um Conselho Nacional de Participação Social (CNPS) com funções de acompanhamento e articulação, e da utilização do planejamento orçamentário como mecanismo de inserção da participação em todas as áreas. O estabelecimento de um Sistema Nacional de Participação Social popular, integrado, deliberativo, fiscalizador, orientado por princípios de equidade de gênero e raça e de inclusão, e que abranja mecanismos de democracia direta, é outro ponto de destaque.

Defende-se que Orçamento Participativo Nacional, promessa de campanha, seja inclusivo, deliberativo e efetivo, combinado com o calendário do ciclo do planejamento orçamentário para efetiva execução das decisões, e articulado com os territórios. Outro ponto defendido no Seminário é a valorização e facilitação de experiências de implementação de políticas públicas por movimentos sociais, reconhecendo sua contribuição ao aprimoramento das políticas e ao uso mais eficiente de recursos públicos.

A educação popular de gestores e cidadãos para a participação, articulada com uma estratégia inovadora de comunicação apresenta-se como fundamental para a promoção do conhecimento e a valorização dos processos participativos pela população. Destaca-se, por fim, a necessidade de inovação na implantação de mecanismos de deliberação e participação direta de cidadãos para mobilizar e qualificar o debate público, principalmente em pautas marcadas pela polarização e desinformação, incorporando-se a tecnologia digital para o conhecimento de demandas e preferências dos cidadãos.

O trabalho de reconstrução da participação social irá requerer do novo governo ousadia e criatividade, para ir além da bolha e gerar novas possibilidades de diálogo, consciência cidadã, respeito às diferenças e reconhecimento dos sujeitos políticos plurais em uma sociedade fragmentada e polarizada; e será fundamental para a tarefa histórica e árdua que temos pela frente nos próximos anos - a (re)construção da democracia.

O relatório final do Seminário "A Reconstrução da Participação Social no Brasil" e a gravação do evento estão disponíveis no site da Rede Democracia e Participação.

*Wagner Romão é professor de ciência política da Unicamp e co-coordenador do Núcleo de Pesquisa em Participação, Movimentos Sociais e Ação Coletiva.

**Lizandra Serafim é professora do Departamento de Gestão Pública da Universidade Federal da Paraíba e coordenadora do Núcleo de estudos em relações Estado-Sociedade e Políticas Públicas (NESPP).