Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.
A natureza intolerante do bolsonarismo
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Sidney Jard da Silva*
Deise Aparecida Recoaro**
"Devemos afirmar que qualquer movimento que prega a intolerância está fora da lei, e considerar criminoso o incitamento à intolerância e perseguição, da mesma forma que é criminoso o incitamento ao homicídio, ao rapto ou ao reavivar da escravatura."
Karl Popper
Não existem "bolsonaristas radicais", o que vimos em Brasília naquele fatídico domingo do mês de janeiro, uma semana após a posse presidencial, é a própria essência do bolsonarismo: o ataque sistemático à dignidade da pessoa humana e às instituições democráticas.
A sua principal liderança emergiu no submundo político fazendo a apologia da prisão, da tortura e da morte dos seus adversários ("inimigos"); e atentando publicamente contra a dignidade das mulheres, dos negros, dos homossexuais, dos povos indígenas e quilombolas.
Qualquer indivíduo que se alinhe a este tipo de discurso é um potencial violador dos direitos humanos. Os bolsonaristas se apropriaram do lema "Deus, família, pátria e liberdade" como um escudo para os seus ataques covardes contra o Estado Democrático de Direito (Constituição Federal, Título I, Artigo 1º).
O bolsonarismo é "o ovo da serpente". Víboras não são "serpentes radicais", são simplesmente serpentes que por sua natureza inoculam veneno. A índole política bolsonarista é a mentira (fake news), a intolerância, o ódio que envenenam a sociedade brasileira.
Restringir o processo legal e a aplicação das devidas punições aos chamados "bolsonaristas radicais" seria um equívoco histórico. O próprio bolsonarismo e, principalmente, as suas lideranças políticas devem responder criminalmente pelos atos (e omissões) daquele final de semana sombrio em que o terror invadiu a Capital Federal.
O antídoto ao golpe permanente, que está sendo orquestrado pelos bolsonaristas contra a ordem democrática, passa pela promulgação de um arcabouço legal que determine claramente a severa punição de qualquer agente público (civil ou militar) que atente contra a dignidade da pessoa humana (Artigo 1º, Inciso III) e as instituições democráticas (Artigo 23, Inciso I).
Os bolsonaristas só foram capazes de chegar ao poder, e inocular o seu veneno mortal na sociedade brasileira, pelo reiterado desrespeito a estes princípios fundamentais da Constituição Federal e pela equívoca complacência dos três Poderes da República diante dos ataques contra estes preceitos constitucionais elementares para a garantia da ordem democrática e da cidadania política.
É urgente que os poderes Executivo e Legislativo se unam em torno da proposição de uma legislação complementar que estabeleça a perda do mandato eletivo de qualquer político (no âmbito municipal, estadual ou federal) que utilize o cargo público para ofender a dignidade da pessoa humana ou atacar as instituições democráticas.
Hoje, mais do que nunca, está absolutamente claro que este foi (e ainda é) o principal instrumento utilizado pelo bolsonarismo para ascender ao poder: o uso da liberdade de expressão e da imunidade parlamentar como licença para atentar contra a ordem democrática e seus cidadãos (e cidadãs).
É imperativo que os Poderes da República busquem um antídoto eficaz contra o veneno bolsonarista que gangrena os tecidos periféricos da sociedade e já ameaça o próprio coração do Estado brasileiro. A marcha golpista sobre Brasília foi apenas um teste, um exercício miliciano, um ensaio autoritário.
Liberdade de expressão e imunidade parlamentar não são licenças constitucionais para desrespeitar a dignidade da pessoa humana e atentar contra as instituições democráticas. Muito pelo contrário, estes ataques constituem a essência discursiva deletéria do bolsonarismo e precisam ser juridicamente vedados no debate político nacional.
* Sidney Jard da Silva, Cientista Social, Professor da Universidade Federal do ABC (UFABC).
** Deise Aparecida Recoaro, Doutora em Sociologia pela Universidade de Coimbra (UC).
*** Esse texto é fruto de uma parceria entre a Associação Brasileira de Ciência Política (ABCP) e a Coluna Diálogos Públicos.
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