Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.
Inovações Democráticas Digitais e o incremento da democracia brasileira
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Marcelo Burgos Santos*
Desde a Constituição Federal de 1988 (CF-88) o Brasil ficou conhecido internacionalmente por diversas experiências democráticas inovadoras, muitas ancoradas na ideia de cidadania, que não à toa ficou conhecida como Constituição cidadã. Algumas dessas práticas democráticas envolveram a ampliação do campo participativo, através da criação e aprimoramento de Conselhos. Instituições Participativas e também as experiências do Orçamento Participativo (OP), para citar apenas dois exemplos. Essas práticas foram importantes por envolverem cidadãos na dinâmica das decisões políticas, fornecendo ferramentas para que se apropriassem do exercício político para resolver problemas que lhes eram pertinentes. Nesse sentido, a CF-88 propiciou que o Brasil, no processo de redemocratização, desenvolvesse um grande laboratório de experiências inovadoras de democracia e gestão pública. Essas novas práticas ocorreram em um momento que inovação não envolvia diretamente questões de tecnologia. E a tecnologia permeia discussões políticas contemporâneas como veremos a seguir.
A partir da virada do milênio, duas novas variáveis entram em cena no campo político: (i) a chamada crise da democracia e (ii) a tecnologia, principalmente que envolve a Internet (compreendido como infraestrutra física e dados informacionais). Recentemente, as plataformas digitais, aplicativos e redes socais online, alteraram ainda mais alguns aspectos sociais, culturais, econômicos e políticos das sociedades ao redor do mundo. Além disso, os dispositivos móveis (smartphones, tablets e notebooks) estão incorporados à vida cotidiana das pessoas e instituições (mesmo que ainda haja exclusão digital que não pode ser ignorada).
Essas variáveis - crise da democracia e tecnologia - colocam novos desafios políticos que permitem pensar a necessidade de aprimoramento e novos avanços democráticos para o futuro. Assim, surge um novo campo para pensar este entrelaçamento de Política e Internet, que são as Inovações Democráticas Digitais (IDDs). Estas carregam em si as possibilidades de potencializar mudanças radicais nas ações e práticas políticas que permitem maior envolvimento de cidadãos no diálogo e participação nas questões públicas e políticas.
Um primeiro aspecto que pode ser observado na intersecção de Política e Internet é a ideia de governos abertos e a governança digital. A Internet pode ser compreendida como um espaço que congrega um amplo repositório de dados (documentos, relatórios, atas, atos, gastos governamentais etc) que permite à sociedade civil organizada acompanhar, fiscalizar e controlar ações governamentais e o gasto público, por exemplo. A partir disso, cidadãos e entidades da sociedade civil podem exercer um papel participante e participativo na governança estatal.
Uma segunda característica das IDDs é a criação de espaços heterogêneos para o desenvolvimento e aprofundamento da participação no exercício democrático, através da possibilidade de maior envolvimento dos cidadãos nos processos políticos. Podemos citar como exemplo, os diversos estímulos ao ativismo, participação popular no ciclo de políticas públicas, processos consultivos e deliberativos e até mesmo a criação de leis através de mecanismos de crowdlaw (por exemplo: a experiência constitucional da Islândia). Essas modalidades participativas dão voz e oportunidades a novas formas de ação política que partem de baixo para cima em contraposição aos modelos que vêm de cima para baixo, podendo ocorrer tanto em nível local como nacional. Aqui é possível observar a apropriação dos espaços políticos por parte dos cidadãos e da sociedade civil.
Ao olhar os últimos 15 anos, período que coincide com estes avanços digitais, o mundo e o Brasil passaram por protestos e processos disruptivos que questionavam a democracia e seu papel, como os Indignados na Espanha, Primavera Árabe, movimentos Occupies em diversas partes do mundo e Jornadas de Junho de 2013 no Brasil, entre muitos outros. Estes movimentos questionaram a democracia liberal, seus aspectos formais e eleitorais e passaram a exigir, entre outras coisas, novas formas de discussão e participação política além do envolvimento dos cidadãos no trato com a coisa pública.
A ideia geral é que a democracia possa se tornar cada vez mais substancial e não meramente formal, com auxílio das tecnologias digitais. O envolvimento e a ampliação da participação cidadã em processos democráticos é uma das exigências contemporâneas para pensar a democracia como um todo, seus aperfeiçoamentos e, quem sabe, ajudar a melhorar o problema da crise democrática.
Mesmo que ainda existam barreiras a serem superadas (como as desigualdades e a exclusão digital), parece difícil imaginar num futuro que as inovações democráticas sejam apenas presenciais, afinal, as tecnologias digitais já estão inseridas no cotidiano das relações humanas. Parte das inovações democráticas deverão passar pelo meio digital, mesmo que continuem a ser um modelo que mistura real e virtual, online e off-line. Os recursos digitais são meios para atingir um maior número de pessoas que, inclusive, reduz custos de participação política do cidadão ao permitir uma interação e um diálogo que não sejam apenas presenciais.
Nessa perspectiva, as IDDs também podem ser um dispositivo que permita radicalizar (no sentido de ir às raízes, aprofundar) a democracia, tendo por base o desenvolvimento de princípios como cidadania, comunidade e pluralismo (cf. Mouffe, 1992). Aos desafios da democracia, devemos responder com mais democracia.
*Professor do Departamento de Ciências Sociais da UFPB e diretor da Regional Nordeste da Associação Brasileira de Ciência Política (ABCP).
**Esse texto é fruto de uma parceria entre a Associação Brasileira de Ciência Política (ABCP) e a Coluna Diálogos Públicos.
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