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OPINIÃO

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PT pode ser derrotado no que já fez de melhor em política pública

Colunista do UOL

24/10/2022 10h53

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Leandro Ferreira*

Na campanha eleitoral de 2018, a ideia da renda básica universal se fez presente no programa dos principais candidatos à Presidência da República. À época, Marina Silva, Ciro Gomes, Guilherme Boulos, Lula (posteriormente Fernando Haddad) e até mesmo Jair Bolsonaro mencionavam que melhorariam as políticas de então na direção de aumentar beneficiários, com potencial de almejar a universalidade.

A pandemia de Covid-19 foi determinante para que isso se comprovasse: uma via expressa foi aberta para que pessoas recebessem benefícios do governo por meio do Auxílio Emergencial, levando a transferência de renda, antes restrita aos mais empobrecidos, a mais da metade da população brasileira. O resultado disso, embora mal planejado e mal desenhado, é o Auxílio Brasil, com recursos volumosos e mais beneficiários que o Bolsa Família tinha, até por conta do aumento da pobreza. Completa este cenário a determinação do Supremo Tribunal Federal de 2021 para que a lei federal 10.835/2004, da Renda Básica de Cidadania, seja regulamentada, algo que, a rigor, Bolsonaro não fez com o Auxílio Brasil e ainda pode sofrer questionamento na justiça.

Para o resultado da eleição de 2022, este assunto é ainda mais relevante. Está claro que Bolsonaro se utiliza da vantagem de estar no governo para tentar mudar os rumos da eleição com dinheiro público. A antecipação de pagamento de benefícios e, em especial, o consignado do Auxílio Brasil, são expoentes disso. É preciso responder o mais rápido possível no plano político, além das medidas judiciais.

Existe um claro desgaste do apoio ao ex-presidente Lula entre os mais pobres: circula com força entre beneficiários a informação falsa que os atuais R$600 voltarão aos patamares nominais do Bolsa Família (em torno de R$190), nome do qual o PT não abre mão em sua comunicação, e insinuações de que sua eleição significaria o fim do consignado, contrário ao que deseja quem precisa dele.

Lula e o PT, que ostentam o merecido troféu do combate à pobreza, corretamente criticaram o consignado. Trata-se da financeirização da política social e a abertura de espaço para que o mercado se torne provedor de politicas sociais. Mas qual é a alternativa apresentada ate aqui? A proposta do PT de adicional por crianças de 0 a 6 anos mal repercutiu e não resultaria em aumento significativo de benefícios médios enquanto estiver restrita a essa faixa. Contrapor a possibilidade de um capital básico, líquido e certo na mão dos mais pobres, com elogios ao passado de condicionalidades e super focalização não parece funcionar.

Um montante como o permitido pelo consignado serve para pagar uma dívida de aluguel, contas ou crediários atrasados, inclusive no mercado informal ou entre familiares. Cobre despesas inesperadas de saúde em momentos de dificuldade. Serve para melhorar as condições de vida da porta de casa para dentro, por meio da aquisição de eletrodomésticos e móveis. Uma visão liberal considera que este recurso é útil para empreender ou melhorar as condições de se produzir algo que garanta o sustento perene das famílias.

Afinal, é preciso compreender que os mais pobres também querem e precisam de acesso às condições de vida de que dispõem as classes mais altas, incluindo o acesso ao crédito. O problema é que para acessá-las, que passa já passa por processos de vulnerabilidade são expostos pelo Governo Bolsonaro à sanha do que há de pior no mercado financeiro. Juros sobre juros que significam uma deterioração não só do futuro financeiro dessas famílias, mas, também, maiores riscos para toda a sociedade, que verá seu exército de endividados aumentar. Nem mesmo Milton Friedman, reivindicado no programa de Bolsonaro em 2018, apostaria neste caminho. O economista idolatrado por liberais, alguns deles no governo, entendia que a superação da pobreza passava pela promoção do bem comum, não pelo endividamento predatório.

Seria melhor oferecer aos beneficiários do Auxílio Brasil um aumento capaz de garantir a sobrevivência com base na sua composição familiar. Essa alternativa pode ser combinada com pagamentos anuais de dotações volumosas de benefícios que cumprem o papel de um empréstimo, mas sem submeter beneficiários aos riscos que estes oferecem.

Propostas de readequação das transferências de renda não são novidade. A hora de reformular o Programa Bolsa Família, de extraordinário sucesso, já tinha chegado, como acontece à toda política pública em um processo de revisão. É hora de transitar definitivamente para a Renda Básica, universal e incondicional. Este é um aprendizado da pandemia e uma consequência da eleição de 2018. Ao final, continua sendo o dinheiro no bolso um dos fatores mais decisivos para a definição da eleição. Bolsonaro sabe disso e tenta ganhar o jogo na casa do adversário.

*Leandro Ferreira, bacharel em Gestão de Políticas Publicas pela USP, Mestre em Politicas Publicas pela UFABC. Preside a Rede Brasileira de Renda Básica.