Texto baseado no relato de acontecimentos, mas contextualizado a partir do conhecimento do jornalista sobre o tema; pode incluir interpretações do jornalista sobre os fatos.
Em depoimento, Mandetta desviou de cascas de banana dos governistas
Senadores governistas e oposicionistas tinham expectativas divergentes em relação ao depoimento do ex-ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta na CPI da Covid, nesta terça-feira (4).
Governistas esperavam pegá-lo em contradições, como nas orientações para pacientes da doença no início da pandemia. Oposicionistas ou independentes pretendiam encontrar indícios que os ajudem a elaborar uma linha do tempo das omissões ou ações do governo federal, especialmente aquelas oriundas do Palácio do Planalto, que potencialmente agravaram a disseminação do novo coronavírus.
O senador Renan Calheiros (MDB-AL), relator da CPI e o primeiro a sabatinar o ex-ministro, acredita ter obtido do depoimento de Mandetta munição contra o presidente Jair Bolsonaro.
São projéteis como o "aconselhamento paralelo" a respeito do que fazer na pandemia que Bolsonaro recebia dos filhos e a ideia do governo, abortada, de mudar a bula da cloroquina para poder prescrever o remédio, ineficaz contra a doença, a torto e a direito.
Já os governistas tiveram dificuldade de conseguir o que queriam. Ex-deputado federal e conhecedor dos meandros do jogo parlamentar, Mandetta desviou de todas as cascas de banana lançadas em seu caminho pela tropa de choque do governo na CPI.
O senador Eduardo Girão (Podemos-CE), por exemplo, tentou apontar um erro da gestão de Mandetta pelo fato de o Brasil não ter cancelado o Carnaval de 2020, quando começavam a surgir os primeiros casos da doença no país. O ex-ministro disse que na semana anterior à festa popular apenas pessoas "em contato com a China" eram consideradas de risco e afirmou que Bolsonaro nunca lhe pediu que cancelasse o evento.
Em outro momento, quando o senador Ciro Nogueira (PP-PI) lhe perguntou sobre a recomendação, no início da pandemia, para que as pessoas com sintomas leves ficassem em casa, Mandetta inverteu o jogo, relatando que havia recebido por celular a mesmíssima pergunta, com as mesmíssimas palavras, do ministro das Comunicações, Fábio Faria. Mandetta concluiu que Faria lhe enviou a pergunta por engano.
Em seguida, pôs-se a dar o contexto do conhecimento médico que se tinha sobre a doença naquele momento da pandemia e afirmou ter seguido as orientações da Organização Mundial de Saúde (OMS). Ele já havia dado uma resposta à questão no início do depoimento, quando Calheiros lhe perguntou sobre o assunto.
"Ciência" é uma das palavras mais repetida por Mandetta no depoimento. A certa altura, quando os principais questionamentos referentes às suas ações concretas à frente do ministério e à maneira como Bolsonaro reagia a elas já se haviam esgotado, as perguntas dos senadores passaram a ser apenas oportunidades para o ex-ministro, que é médico ortopedista, dar explanações professorais sobre estudos científicos, medicamentos, medidas restritivas para reduzir o contágio pelo vírus e o funcionamento do SUS (Sistema Único de Saúde).
Um dos momentos mais constrangedores para a estratégia governista foi quando o senador Luis Carlos Heinze (PP-RS), agrônomo, disse que está há três semanas estudando a cloroquina e a hidroxicloroquina e que em Rancho Queimado (SC) o medicamento está sendo adotado com grande sucesso.
Mandetta ironizou: "Tomara que Rancho Queimado tenha descoberto a fórmula." E depois lembrou que no resto do mundo não se tem a mesma convicção.
Os senadores governistas queriam evitar "dar palanque" a Mandetta, que é citado como possível candidato à presidência em 2022, na CPI. Não só ele teve o palanque que pretendiam evitar, como ainda expôs a falta de preparo da "tropa de choque" governista.
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