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Cientistas ameaçam retirar assinatura de relatório encomendado por Queiroga
O Ministério da Saúde retirou a deliberação e a votação de relatório técnico que rejeita o tratamento precoce contra covid-19 da pauta de reunião marcada para esta quinta-feira (7). A pasta alegou que a decisão foi tomada a pedido do coordenador do painel de especialistas que elaborou o relatório, com o objetivo de fazer atualizações à luz de novos estudos.
Este colunista consultou cientistas do grupo que, ao longo dos últimos três meses, se reuniu semanalmente para preparar o relatório encomendado pelo ministro Marcelo Queiroga.
Eles afirmam não terem participado de nenhuma solicitação de adiamento de apreciação do relatório e que não há nada, do ponto de vista científico, a ser atualizado no documento.
Mais do que isso, os integrantes do painel de especialistas foram pegos de surpresa pela decisão do ministério de adiar a reunião da Conitec (Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no Sistema Único de Saúde) que faria a apreciação do relatório, cujo teor contraria a defesa insistente do presidente Jair Bolsonaro do chamado tratamento precoce contra covid-19.
Em decisão quase unânime tomada nos bastidores, os integrantes do painel afirmam que vão retirar suas assinaturas do relatório caso o texto seja desfigurado para atender os interesses políticos do Palácio do Planalto.
Justificativa do ministério
"O coordenador do grupo de especialistas, que está elaborando as diretrizes do tratamento ambulatorial dos pacientes com covid-19, solicitou que o relatório fosse retirado de pauta pela publicação de novas evidências científicas dos medicamentos em análise. O documento será aprimorado e vai ser pautado assim que finalizado", informou o Ministério da Saúde em nota, por meio da sua assessoria de imprensa.
O coordenador do grupo é o respeitado pneumologista Carlos Carvalho, da Universidade de São Paulo. Ele foi convidado em março deste ano por Queiroga para comandar a elaboração de protocolos médicos para a covid-19.
A coluna entrou em contato com Carvalho para comentar a justificativa apresentada pelo Ministério da Saúde para o adiamento da reunião. O médico confirmou que partiu dele a iniciativa de revisar o documento para incluir estudos divulgados em setembro deste ano, já que o relatório fora concluído considerando artigos científicos publicados entre janeiro de 2020 e agosto de 2021.
Especificamente, Carvalho considerou importante incluir a revisão de novos estudos por causa de um artigo divulgado no New England Journal of Medicine em 29 de setembro com o resultado de uma pesquisa feita com anticorpos monoclonais. Esse tipo de tratamento foi classificado no relatório elaborado para a Conitec como não recomendado no tratamento pré-hospitalar por seu alto custo e "baixa experiência de uso".
Nada deve mudar, portanto, em relação aos medicamentos do chamado "kit covid", como hidroxicloroquina e ivermectina.
A demora em se avaliar e aprovar as diretrizes para tratamento ambulatorial de covid-19 tem provocado nervosismo entre integrantes do painel, que temem que a interferência política do Palácio do Planalto leve ao engavetamento de um trabalho essencialmente técnico, mas que desmoralizaria de vez a tese do chamado "tratamento precoce" e o incentivo à prescrição do "kit covid".
A conclusão do relatório "Diretrizes Brasileiras para Tratamento Medicamentoso Ambulatorial do Paciente com Covid-19", revelada ontem com exclusividade por esta coluna, é a de que não existem medicamentos recomendados para tratar pacientes ambulatoriais (não hospitalizados) diagnosticados ou com suspeita de covid-19.
O relatório baseou-se em uma análise criteriosa de estudos científicos e de diretrizes para tratamento de covid-19 divulgadas por órgãos oficiais de outros países e por sociedades científicas do Brasil e do exterior.
O documento lista uma dezena de medicamentos que foram estudados como possíveis tratamentos para pacientes com covid-19 em estágio inicial ou leve, incluindo alguns dos que compõem o chamado kit covid, como ivermectina, hidroxicloroquina, nitazoxanida e azitromicina.
Alguns, como hidroxicloroquina, foram classificados como medicamentos "não recomendados por ausência de benefício clínico". Outros, como a ivermectina, foram rejeitados por ausência de eficácia comprovada. As recomendações são aplicáveis para os serviços de saúde públicos e privados.
Apesar de não terem sido consultados a respeito, os integrantes do painel composto por duas dezenas de cientistas já foram avisados de que haverá uma nova data para a reunião da Conitec e que, até lá, poderão ser exigidas novas atualizações no documento. Não foram especificadas quais atualizações seriam essas.
Se o relatório for aprovado pela Conitec, será um reconhecimento oficial do Ministério da Saúde de que ainda não existe "tratamento precoce" ou "inicial" para covid-19. Se recusado, será uma vitória do obscurantismo e de interesses políticos sobre a ciência.
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