Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.
A sonsice de Pacheco, STF e Maiurino
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1.
Se eu fosse um parlamentar corrupto, adoraria ter Rodrigo Pacheco para blindar meu nome contra a transparência determinada pelo STF na indicação de emendas de relator.
O presidente do Senado se faz de sonso, com o profissionalismo típico da velha política.
Primeiro, ele mente à mais alta Corte do país, alegando ser impossível identificar os colegas que pegaram dinheiro do Orçamento secreto bilionário em 2020 e 2021, como se o registro de caixa do Congresso Nacional fosse inferior ao de qualquer quitanda.
Depois, como quem, diante da insistência alheia, consente em fazer um favor com um esforço acima do necessário, Pacheco solicita as informações que o relator possa dar.
Seu ofício a Márcio Bittar começa pela indiferença a princípios constitucionais da administração pública, como moralidade, publicidade, eficiência e impessoalidade, e termina oferecendo brechas para manutenção de casos comprometedores em segredo.
Atenção aos trechos em negrito:
"Apesar da inexistência de obrigação legal anterior de registro dos pedidos formulados ao relator-geral por senadores, deputados, ministros de Estado, governadores, prefeitos, associações e cidadãos, e de não haver cadastramento prévio dos mesmos em setor específico do Congresso Nacional, sejam adotadas as providências possíveis e necessárias para individualizar e detalhar as indicações das emendas de sua autoria e declinar as respectivas motivações, apresentando, caso detenha, registros formais, informações pretéritas ou atuais sobre essas indicações, ou justifique a impossibilidade de fazê-lo."
Traduzindo: quem não estiver a fim de apresentar registros, basta justificar como uma impossibilidade, já que o Congresso decidiu suplantar a Constituição. Mas quem puder ajudar a reunir material suficiente para convencer o STF a deixar o resto pra lá, ótimo!
Em 5 de novembro, quando Rosa Weber determinou ampla publicidade dos documentos, comentei no Twitter: "Imagine o corre-corre de quem pediu dinheiro em troca de voto, pegou e gastou, para agora arranjar documentação e dar ares oficiais a toda essa gambiarra feita no escurinho."
Pacheco, porém, não gosta de corre-corre, nem de holofotes na quitanda. Ele quer 180 dias para cumprir talvez parcialmente a ordem da ministra, enquanto pressiona, em ofício enviado ao STF, pela liberação da execução das emendas de relator, suspensa por Rosa.
A ministra então dá mais 90 dias, não 180, de prazo de cumprimento da ordem, além dos 30 dias inicialmente estabelecidos; mas libera a retomada da execução, desde que observadas as regras do ato conjunto aprovado pelo Congresso após a sua liminar. Tudo em nome do "interesse público", que ninguém quer assumir nominalmente ter atendido em 2020 e 2021.
Ainda bem que não sou parlamentar, nem corrupto, para depender de tamanha sonsice.
2.
Márcio Bittar, curiosamente, é o aliado de Jair Bolsonaro que teve seu foro privilegiado de deputado federal mantido pelo STF quando virou senador, no caso que abriu um precedente enviesado para a Segunda Turma manter o foro privilegiado retroativo do atual senador Flávio Bolsonaro, referente ao seu mandato de deputado estadual.
No julgamento do caso de Bittar, investigado por uso irregular de cota parlamentar, o ministro Luiz Edson Fachin defendeu que a tese dos "mandatos cruzados" valeria "exclusivamente" para parlamentares federais, quando a troca de mandatos ocorre no âmbito do Congresso Nacional, já que o foro de deputados e senadores é o mesmo STF.
No julgamento do caso de Flávio, porém, Fachin ficou vencido por Gilmar Mendes, Ricardo Lewandowski e o indicado pelo pai do réu, Kássio Nunes Marques. Assim se chegou à bizarrice de um ex-deputado estadual manter o foro em Órgão Especial de Tribunal de Justiça - no caso, do Rio de Janeiro - porque virou senador.
Ninguém deu muito bola para a notícia de que o governo Bolsonaro havia empregado o primo de Gilmar no ministério da Justiça e Segurança Pública, além de ter-se empenhado, por meio do Itamaraty, na vitoriosa campanha do advogado do ministro para ocupar uma cadeira de juiz na Corte Interamericana de Direitos Humanos.
A decisão de 2018 do STF de transferir à primeira instância as investigações sobre parlamentares federais com mandatos encerrados simplesmente sofreu umas gambiarras, até o filho 01 do presidente sair impune das rachadinhas.
Agora é a vez do rachadão semissecreto do Orçamento.
3.
Jair Bolsonaro começou seu processo de interferir na Polícia Federal depois que avançou na Superintendência da PF no Rio o inquérito eleitoral sobre Flávio.
A partir daí, a imprensa contou 20 interferências internas quando os interesses do bolsonarismo foram atingidos.
O atual diretor-geral, Paulo Maiurino, negou sua participação, claro:
"Desafio qualquer delegado a dizer e a provar que, na minha gestão, algum deles recebeu orientação para agir de uma forma ou de outra numa investigação, para proteger ou perseguir alguém. Isso seria um absurdo, um crime grave."
Ninguém precisa receber orientação para agir de uma forma, quando os membros de uma corporação são retaliados por agir de outra.
Dentro e fora dela, todo mundo entende o recado.
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