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Felipe Moura Brasil

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

As contas de Moro, Lula e Bolsonaro

Colunista do UOL

30/01/2022 00h58

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A sexta-feira, 28 de janeiro de 2022, reuniu uma série de episódios ilustrativos do país em que vivemos e a repercussão deles deve perdurar no ano eleitoral.

Por isso, convém analisá-los.

Os episódios

1) O presidente Jair Bolsonaro descumpriu ordem judicial do ministro Alexandre de Moraes, do STF, para prestar depoimento à Polícia Federal sobre ter divulgado dados e documentos de inquérito inconcluso relativo a ataques ao TSE, caso em que a PF viu sua "atuação direta, voluntária e consciente" no crime de violação de sigilo funcional;

2) O ex-presidente Lula, condenado em três instâncias por corrupção passiva e lavagem de dinheiro, tendo o STJ estabelecido a pena em 8 anos, 10 meses e 20 dias de reclusão, foi beneficiado pela prescrição do caso do triplex do Guarujá, reconhecida pela juíza Pollyanna Kelly, substituta da 12ª Vara Federal do Distrito Federal;

3) O pré-candidato do Podemos à presidência, Sergio Moro, revelou seu salário na consultoria privada Alvarez & Marsal e desafiou Lula e Bolsonaro a serem transparentes também: "Vai abrir as contas dos gabinetes e da rachadinha, Bolsonaro? E você, Lula? Vai abrir as contas das suas palestras e do sítio de Atibaia?"

A exploração e os fatos

A claque bolsonarista acusou Moraes de esticar a corda, porque, assim como a claque lulista, ela precisa convencer o eleitorado de que qualquer crime atribuído ao presidente é resultado não de sua conduta criminosa, mas de perseguição política contra ele, de modo que toda reação é tratada como desproporcional às suas ações. Guardadas as proporções, Moraes está para o bolsonarismo como Moro está para o lulismo (e a tentativa de limpar nele a própria sujeira ajuda a fidelizar a base fanática).

Em matéria de blindagem, esse "bolsolulismo" é tão evidente que Bolsonaro, ao justificar sua ausência na sede da PF, usou uma ação do PT contra a condução coercitiva de Lula. O presidente, embora só tenha sido intimado após estourar o prazo para que escolhesse data, hora e local do depoimento, alegou que sua decisão tem "suporte" no resultado do julgamento do STF que tirou do Código de Processo Penal a previsão de uso da força para conduzir quem se recusa a depor. Para não ter de explicar o inexplicável, portanto, Bolsonaro arregou com base no afrouxamento lulista do CPP.

O presidente ainda defendeu o envio imediato da investigação para seu indicado e protetor Augusto Aras, o procurador-geral da República que extinguiu a Lava Jato, fez despencar o número de delações fechadas em sua gestão e, diante da queda do Brasil em ranking de combate à corrupção divulgado pela Transparência Internacional, resmungou contra o relatório, em vez de denunciar criminosos com foro privilegiado, demonstrando em ações correspondentes que o país não sucumbiu à impunidade geral. Mas sucumbiu.

A claque de Lula declarou inocente seu chefe, embora a prescrição seja apenas a perda do direito de punir do Estado pelo decurso do tempo, ou, no caso, o atestado de que a Justiça brasileira é morosa e condescendente com ricos e poderosos capazes de manejar o sistema, contando, inclusive, com votos de ministros do STF indicados por eles. Nas três vezes em que foi efetivamente julgado em tribunais distintos, Lula, na verdade, acabou condenado com base em provas jamais fabricadas, nem adulteradas, muito menos obtidas ilicitamente, ao contrário daquelas, nem sequer autenticadas, usadas como "reforços argumentativos" a seu favor pelo afilhado Ricardo Lewandowski.

Moro não precisou do reforço de hackers para que denúncias de irregularidades em sua atuação no grupo A&M fossem arquivadas tanto pela Procuradoria no Distrito Federal quanto pela 5ª Câmara de Coordenação e Revisão do MPF no Paraná, que, na mesma linha da auditoria técnica do TCU, rechaçaram as teses bolsolulistas por ausência de elementos mínimos que justificassem a continuidade de atividade persecutória, conforme havia sido detalhadamente explicado por este colunista em reportagem e vídeo (inscreva-se no meu canal).

Enquanto Bolsonaro e Lula buscam se blindar em órgãos e tribunais formados por indicações políticas, Moro é inocentado por órgãos técnicos, após ser alvejado por um ministro lulista do TCU, o mesmo que, assim como Aras no caso de Bolsonaro ser reeleito, agora está cotado para ser indicado para o STF por Lula em seu eventual governo. Em outras palavras: Bruno Dantas torrou recursos públicos para investigar, sem jurisdição, uma relação que não envolve recursos públicos, mas poderá ser premiado, também por isso, pelo adversário do investigado na corrida presidencial.

Para uma CPI anti-Moro, porém, "Lula arregou", como ironizou o ex-juiz depois que o ex-presidiário mandou o PT desistir da ideia, com medo de dar palanque a Moro e permitir que a sujeira lulista voltasse à tona. Mesmo assim, o pré-candidato do Podemos antecipou a abertura de suas contas, exibiu a cláusula que fez constar em contrato para jamais atuar em casos de empresas atingidas pela Lava Jato e revelou o salário bruto mensal de 45,8 mil dólares como consultor, o que, acrescido de bônus de contratação, resultou em 656 mil dólares ao final de 11 meses - o equivalente a 3,5 milhões de reais, pela cotação do dia.

Assim como não há qualquer indício de que Moro foi convidado para ser ministro de Bolsonaro antes de tomar decisões judiciais que afetaram o PT (ele condenou Lula em primeira instância ainda em julho de 2017, a quinze meses da eleição), tampouco há de que ele tenha tomado decisões que afetaram a Odebrecht ciente de que trabalharia quatro anos depois no braço americano de um grupo cujo braço nacional, com outro CNPJ, administraria a recuperação judicial da empreiteira. Isto nem seria possível, considerando que o administrador só foi escolhido, por outro tribunal, três anos depois dos acordos de leniência e colaboração premiada (homologados pelo STF) em que os executivos confessaram seus crimes.

Como os fatos não importam à propaganda política e boa parte da imprensa foge ao dever de distingui-los de sínteses infamantes e narrativas partidárias, bolsonaristas e lulistas se uniram pela enésima vez contra o ex-juiz, passando recibo de que sentiram a invertida ("cara de pau", disse Gleisi Hoffmann) e tentando dar ares de escândalo à remuneração conquistada por Moro por ser "visto nos EUA como um dos maiores especialistas em combate à lavagem de dinheiro e à corrupção no mundo", como declarou o CEO da A&M no Brasil, Marcelo Gomes. O objetivo é arranhar ou tirar de Moro sua credencial de honestidade, neutralizando a percepção de que o ex-juiz é moralmente superior a famigerados ladrões de gabinete e estatal.

"Engraçado ver petistas questionando o valor que recebi da Alvarez & Marsal por trabalho lícito e declarado, quando Lula recebeu muito mais por 'palestras' para a Odebrecht. Quando Lula vai abrir suas contas?", questionou o ex-juiz no Twitter, publicando uma lista com oito pagamentos de 200 mil dólares cada, feitos pela Odebrecht a Lula, o que totaliza 1,6 milhão de dólares - o equivalente hoje a mais de 8,5 milhões de reais. A empresa do petista, na verdade, foi remunerada por um total de 72 supostas palestras a 200 mil dólares cada, o que, na época, rendeu 27 milhões de reais e despertou suspeita do Coaf. "O que o Lula tem que fazer é explicar a história do triplex, do sítio de Atibaia, as reformas da Odebrecht e da OAS [nos imóveis]", cobrou Moro.

Ele não precisava dizer que não enriqueceu no setor privado, já que 3,5 milhões de reais em 11 meses estão muito acima dos padrões brasileiros, mas fica claro que seu padrão financeiro, obtido legalmente, é muito inferior ao do ex-presidiário, que recebeu uma fortuna da empreiteira favorecida por esquema de corrupção nos governos do PT e, também, pelo seu lobby internacional. Ao desafiar os Bolsonaro a abrir as contas das rachadinhas, o ex-juiz ainda citou a mansão de 6 milhões de reais comprada por Flávio e os cheques depositados pelo operador Fabrício Queiroz e pela esposa dele, Márcia Aguiar, na conta de Michelle, para Jair.

Ao contrário de Lula e dos Bolsonaro, Moro exibe as origens de seu patrimônio e defende abertamente medidas não à toa sabotadas por eles, como a prisão em segunda instância, o fim do foro privilegiado, o endurecimento da legislação penal e a reforma dos tribunais superiores. Ainda que lhe faltem agilidade verbal e traquejo argumentativo, inclusive para descer aos detalhes dos escândalos alheios e das próprias propostas para outras áreas - enquanto seu projeto de país está em construção -, o ex-juiz tem conseguido incomodar de tal maneira as claques lulistas e bolsonaristas nas redes sociais que sua pré-candidatura já valeu a pena por isso. Que, sob falsas premissas, elas cobrem de Moro uma perfeição moral, enquanto acobertam as responsabilidades penais de seus chefes, é um sintoma desse incômodo que a candidatura de fato só vai turbinar.