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Felipe Moura Brasil

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Moro e as porcarias verbais do MBL

Colunista do UOL

08/03/2022 01h42

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Neste momento, Sergio Moro precisa do MBL longe. Bem longe dele.

A ideia de que o movimento pudesse contribuir com a campanha presidencial do ex-juiz da Lava Jato em São Paulo e nas redes sociais foi enterrada pela sequência de erros de seus três principais integrantes, Kim Kataguiri, Arthur do Val e Renan Santos.

Em fevereiro, Moro chamou de "brutal" o erro intelectual e político de Kataguiri de considerar, durante participação em podcast, que a Alemanha errou ao ter criminalizado o nazismo. Tratava-se não de defesa da ideologia nazista, repudiada pelo deputado federal paulista como "antidemocrática, tosca, bizarra, discriminatória", mas da liberdade de que ela viesse à "luz" para ser "rechaçada socialmente".

Kataguiri pediu desculpas a toda a comunidade judaica, chamando suas próprias declarações de "besteira inaceitável sobre a descriminalização do nazismo" e "fala infeliz": "Foi um erro tratar um assunto tão delicado quanto esse da forma que tratei." Diante da retratação, Moro manteve uma margem de tolerância com o recente aliado: "Acho que ele se equivocou profundamente em relação a essa fala e já pediu desculpas a todas as pessoas, como tem que ser. Agora, ele tem um histórico como parlamentar. Não vamos apagar esse histórico porque ele cometeu esse erro brutal."

O segundo caso, porém, foi mais grave que a defesa da liberdade de expressar monstruosidades até no país que padeceu delas. Foi a expressão in loco de desrespeito às vítimas de um tirano. Moro considerou "inaceitável em qualquer contexto" o áudio machista e cafajeste de Arthur do Val, que tratou refugiadas da guerra na Ucrânia como objeto sexual fácil de conquistar por serem pobres. O ex-juiz ainda cobrou posição do partido e afirmou que jamais dividirá palanque nem apoiará "pessoas que têm esse tipo de opinião e comportamento": "Meu respeito incondicional às mulheres em geral e às ucranianas, em especial, porque, além de todos os problemas diários enfrentados, precisam conviver com os horrores da guerra."

Vazado de um grupo de WhatsApp, o áudio do deputado estadual de São Paulo e então pré-candidato ao governo é mais um exemplo do fenômeno que descrevi em 2019 no artigo "Reforma psicológica já" e exemplifiquei em "Monark, nazismo e reforma psicológica": "O aumento do número e do alcance dessas plataformas reais e virtuais de exposição pessoal multiplicou e banalizou o estrelato, turbinando o narcisismo do 'jovem eterno'", dizia o texto, alertando que inteligência, saber e virtudes morais não devem ser confundidos com a visibilidade alcançada. Arthur do Val, adulto de 35 anos que se disse "jovem" ao tentar explicar sua tara, ignorou o alerta: "Elas olham e vou te dizer: são fáceis porque elas são pobres. E aqui, cara, minha carta do Instagram, cheio de inscritos, funciona demais. Funciona demais."

Como o Podemos abriu investigação disciplinar interna e a retratação inicial do criador do canal "Mamãe Falei", repleta de tentativas de amenização, só turbinou a repercussão negativa (ele virou o "Mamãe Falei m..."), Arthur do Val foi compelido a retirar sua pré-candidatura ao governo de São Paulo, reforçando em nota mais objetiva seus pedidos de desculpas às mulheres e a necessidade de "preservar o árduo trabalho de todos aqueles que se dedicam na construção de uma terceira via". "O projeto não merece que as minhas lamentáveis falas sejam utilizadas para atacá-lo."

O projeto tampouco merecia, portanto, que, em meio à comoção em torno dessas falas desrespeitosas, o fundador e articulador do MBL, Renan Santos, reagisse ao questionamento legítimo de Janaina Paschoal sobre os gastos dos 180 mil reais arrecadados na viagem à Ucrânia xingando a deputada estadual de São Paulo de "PORCA". Há críticas decentes que podem ser feitas a uma parlamentar disposta a incorrer em narrativas bolsonaristas para acenar ao eleitorado do presidente em sua campanha por uma vaga no Senado, mas tratá-la como suína só reforçou a série de porcarias verbais do movimento, que, a julgar também pelas pesquisas, pouco ou nada acrescentou à candidatura de Moro.

Considerando o destempero de Santos em vídeo sobre pedidos de cassação de Arthur do Val na Alesp, o corporativismo do MBL ficou tóxico para o ex-juiz: "Foda-se as eleições. Eu não quero ir para as eleições em um país de gente covarde. O Arthur, que lutou por vocês sozinho, quando estavam tentando passar aumento de imposto, lembra dele? Ele tá sozinho agora, precisando de ajuda, porque vão cassar o mandato dele e ele não vai poder se eleger por 8 anos... Foi uma declaração merda, mas isso não é roubar! E ele tá sendo cassado, porra! Acorda, caralho!... Amanhã é o Kim, depois é o Rubinho! E depois vocês vão ter que votar na bosta desses filhos da puta todos, caralho!"

A cultura do "react", de não deixar nada sem resposta nas redes sociais, ainda agrava a ânsia de sair sempre por cima. Kataguiri afirmou em outro vídeo que a crucificação de Arthur do Val "é completamente desproporcional à realidade política que a gente vive". "O que Arthur disse é repugnante, inaceitável e injustificável, o óbvio", mas - e o erro está sempre no mas - listou uma porção de casos que não resultam na mesma "mobilização" da "sociedade inteira", como os do senador Chico Rodrigues, flagrado com dinheiro na cueca; do deputado federal Josimar Maranhãozinho, flagrado com robustos maços de dinheiro; do "governo responsável por mais de 600 mil mortes" na pandemia; do orçamento secreto de 20 bilhões de reais "que estão deixando de ir para gente miserável que não tem água, não tem merenda"; e de Lula, "que liderou o maior escândalo de corrupção" e "já mandou cassar visto de jornalista" (Larry Rother, o então correspondente do New York Times no Brasil), mas "é tratado como um sujeito sério".

O parlamentar criticou o conformismo com "mandatos que são um desserviço para a população": "Isso é uma doença, há mandatos de corrupção, de desvio de dinheiro, de rachadinha, e de funcionários fantasmas"; "a população se indigna mais com uma fala do que com uma atrocidade de gestão." Kataguiri admitiu que a fala foi atroz, sem atinar, porém, que a reação maior se dá neste caso porque o desrespeito às mulheres (sobretudo por parte de um deputado influente nas redes) é mais facilmente compreendido e repudiado fora do universo político que esquemas de corrupção (principalmente de parlamentares pouco conhecidos); e o ineditismo da cafajestice sobre refugiadas em momento de comoção mundial com o drama ucraniano turbinou a repulsa moral dos brasileiros. Como dois erros, ou mesmo um erro e um crime, não fazem um acerto, não dá para o MBL limpar na sujeira alheia a "m..." de "Mamãe Falei". Recorrer a esse expediente só faz seus líderes se parecerem com lulistas e bolsonaristas - tudo que Moro busca evitar.

"Não esperem que eu defenda ditaduras, como fazem Lula e o PT com Cuba ou Venezuela. Nem que eu passe a mão na cabeça dos 'companheiros' de partido quando eles errarem", escreveu o ex-juiz. "Não esperem de mim o silêncio diante da invasão da Ucrânia pela Rússia e da morte de civis, como Bolsonaro faz agora. Muito menos que eu 'passe pano' quando houver suborno, propina, desvios e rachadinhas. Eu não defendo pessoas. Eu defendo princípios e valores. Isso vale para todos, inclusive para aliados e amigos. Essa é a diferença", distinguiu-se Moro, por sinal muito bem.

Mas essa diferença moral em relação a Lula, Bolsonaro e suas claques, que ignoram as frases sexistas dos próprios chefes, só ficará mais clara se o ex-juiz se afastar do MBL, do qual também precisa se distinguir, já que o movimento manteve Arthur do Val e prioriza a defesa de seu mandato, constrangendo a militância a comportar-se como o "gado" que ele tanto critica. Embora tenha dito entender, antes do vídeo de Santos, que "o MBL irá superar esse episódio negativo", Moro terá de pesar junto com o Podemos se o eleitorado, sobretudo feminino, superará o conjunto da obra. O ex-juiz pode até buscar soluções internas antes de tomar decisões definitivas, mas não pode se dar ao luxo de arcar, mais do que já arcou, com a inconsequência de "jovens eternos" incapazes de reprimir seus instintos mais primitivos em momentos tão sensíveis do país e do resto do mundo. Eles precisam aprender a sair por baixo, e de fininho, quando erram.