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Felipe Moura Brasil

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Como o STF naturalizou o absurdo

Colunista do UOL

19/04/2022 19h31

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"Não há absurdo, data vênia, não há absurdo nenhum."

A frase foi dita pelo ministro Ricardo Lewandowski, no final do julgamento de maio de 2019 em que o STF decidiu validar, por 7 votos a 4, o indulto de Natal decretado por Michel Temer em dezembro de 2017.

Lewandowski reagia ao colega Luiz Fux, que, além de ter votado contra a "redução indiscriminada e arbitrária das penas estabelecidas pelo Legislativo e aplicadas pelo Judiciário", também havia criticado, com a seguinte constatação, o resultado do processo do qual pedira vista em novembro de 2018: "Isso significa dizer que aqueles absurdos todos vão poder ser realizados."

Significa, sim. E foram. Tanto que, nesta terça, 19 de abril de 2022, em operação realizada em Portugal contra o tráfico internacional de cocaína, a Polícia Federal teve de prender novamente a doleira Nelma Kodama, favorecida por aquela decisão de mandar soltar uma série de condenados após o cumprimento de somente um quinto da pena.

Em dezembro de 2015, a ex-namorada do doleiro Alberto Youssef havia sido condenada em segunda instância na Lava Jato a 15 anos de reclusão por organização criminosa, evasão de divisas e corrupção ativa.

Sua prisão ocorrera em março de 2014 no Aeroporto Internacional de Guarulhos, quando, segundo o MPF, Kodama tentara fugir para a Itália com 200 mil euros escondidos na calcinha, ao saber que era investigada pela PF.

Desde 2016, ela cumpria prisão domiciliar, com uso de tornozeleira eletrônica. Graças ao indulto validado pelo Supremo e aplicado pela 12ª Vara Federal de Curitiba, a doleira estava solta desde agosto de 2019 sem monitoramento por aparelho e tudo indica que vinha reincidindo na criminalidade ao longo deste mesmo período em que poderia e deveria estar presa, cumprindo a pena absurdamente extinta.

A então procuradora-geral da República, Raquel Dodge, entrara com uma ação contra o decreto de Temer, ainda em 2017, alegando que o indulto mais generoso seria a causa da impunidade de crimes graves e que a Lava Jato corria risco, assim como todo o sistema de responsabilização criminal.

Além de Fux, deram ouvidos à PGR e votaram contra o afrouxamento das regras os ministros Luiz Edson Fachin, Luis Roberto Barroso e Cármen Lúcia. Relator vencido, Barroso ainda fez questão de frisar, em tom de protesto:

"O Supremo está decidindo que é legítimo o indulto coletivo que foi concedido, com o cumprimento de um quinto da pena, independentemente de a pena ser de 4 ou 30 anos, inclusive pelos crimes de peculato, corrupção, tráfico de influência, lavagem de dinheiro e organização criminosa. Esta é a decisão."

Além de Lewandowski, votaram a favor: Dias Toffoli, Gilmar Mendes, Marco Aurélio Mello, Celso de Mello, Rosa Weber e Alexandre de Moraes, indicado pelo próprio Temer.

O absurdo foi naturalizado pelo sistema. O combate à bandidagem ficou reduzido a pó.

* Assista ao vídeo: AQUI.

** Leia também: Solto pelo STF, traficante aterroriza São Gonçalo