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Felipe Moura Brasil

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Por que Lula desinforma sobre guerra e fome

Colunista do UOL

02/06/2022 14h59

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O ataque de Lula a Joe Biden pela ajuda dos Estados Unidos à Ucrânia na guerra imposta por Vladimir Putin precisa ser refutado com base nos fatos, para que se registre o contraste entre o universo da bolha lulista e a realidade histórica internacional.

Em evento de pré-campanha em Porto Alegre, o atual líder das pesquisas declarou:

"Não é possível que eu veja na televisão o presidente Biden, que nunca fez um discurso para dar um dólar para quem está morrendo de fome na África, nunca vi um discurso dele para dar um dólar, anunciar 40 bilhões para ajudar a Ucrânia a comprar armas."

Em primeiro lugar, ninguém jamais viu qualquer presidente americano falar em dar "um dólar" para africanos em necessidade, porque o país dá bilhões de vezes mais.

Nas duas primeiras décadas do século 21, os EUA investiram mais de US$ 100 bilhões [R$ 480 bilhões, no câmbio de hoje] na saúde das nações da África Subsaariana.

No começo desta terceira década, o investimento continua. Em fevereiro de 2022, o governo Biden anunciou que destinaria mais de US$ 250 milhões para o envio de vacinas contra a Covid-19 a 11 países da região situada abaixo do Deserto do Saara: Angola, Costa do Marfim, Essuatíni, Gana, Lesotho, Nigéria, Senegal, África do Sul, Tanzânia, Uganda e Zâmbia. Neles, o total da população vacinada com ao menos uma dose era menor que 40%, de acordo com dados da Universidade Johns Hopkins. Em março, o número total de doses dos EUA enviadas para a África chegou a 100 milhões.

No mesmo mês, o diretor-executivo do Programa Mundial de Alimentos (WFP, na sigla em inglês), da ONU, David Beasley, alertou que a enxurrada de refugiados ucranianos e as interrupções na temporada de plantio ameaçavam levar a fome mundial a níveis "catastróficos". Antes da invasão russa, 44 WFP obtém 50% de suas commodities da Ucrânia.

"Isto é sem precedentes", disse Beasley. "Isto significa que os preços subirão e haverá escassez de todo tipo de alimentos, como carne, milho, aveia, centeio", detalhou Daniel Balaban, representante do WFP no Brasil, frisando que o orçamento do programa já estava comprometido. Balaban destacou, também, que os países mais pobres do mundo, principalmente do Sul do Saara, "serão extremamente afetados". "Essas populações dependiam do apoio e dessas compras, vamos precisar de mais condições para atender esses países e achar soluções a curto e médio prazo", completou.

Ainda em março, portanto, membros da Comissão da Fome do Senado americano, que reúne republicanos e democratas, solicitaram a utilização de verbas do Fundo Humanitário Bill Emerson (BEHT) - o que não era feito desde 2014 - para reforçar as operações de alimentação existentes em países com grave insegurança alimentar.

Em abril, o governo Biden anunciou que a Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional (USAID, na sigla em inglês) usaria US$ 282 milhões do BEHT para reforçar as operações em seis países, sendo cinco deles africanos (Etiópia, Quênia, Somália, Sudão e Sudão do Sul) e um asiático (Iêmen). O Departamento de Agricultura (USDA) ainda forneceria US$ 388 milhões em financiamento adicional para cobrir o transporte marítimo e terrestre, além de outros custos associados.

"Na Ucrânia, que fornece 10% do trigo do mundo, os agricultores estão lutando para plantar e realizar suas colheitas, com medo de minas terrestres e bombardeios russos; e o caminho deles para exportar essas commodities vitais é severamente restringido pela invasão russa, que causou o fechamento de portos ucranianos", disse Samantha Power, administradora da USAID. "A decisão de Putin de travar uma guerra sem sentido e brutal contra um vizinho pacífico está levando a uma crise alimentar global impressionante. O resgate de hoje do BEHT nos ajudará a responder às necessidades sem precedentes em países que enfrentam uma insegurança alimentar histórica."

Nada disso, claro, está em desacordo com a agenda de Biden, nem com seus discursos.

Quando disputava a Casa Branca, sua chapa se comprometeu a implementar uma "estratégia ousada" em relação à África, baseada em "engajamento mutuamente respeitoso", "promoção de investimento" e "diplomacia revigorada".

Em seu décimo sexto dia no cargo, o presidente enviou uma mensagem em vídeo aos líderes africanos presentes na 34ª Cúpula da União Africana, que prometia parceria e solidariedade americana em uma série de questões críticas.

Em 21 de setembro de 2021, na 76ª Sessão da Assembleia-Geral da ONU, Biden discursou contra o autoritarismo e a opressão, citando, entre outros países, a República Democrática do Congo, a Etiópia, Camarões e Zâmbia. Ele também garantiu a contribuição dos EUA às populações que passam fome e outras necessidades:

"Também continuaremos a ser os maiores contribuintes mundiais de assistência humanitária, levando comida, água, abrigo, cuidados de saúde de emergência e outras ajudas vitais para milhões de pessoas necessitadas.

Quando ocorre um terremoto, a passagem de um tufão ou um desastre assola qualquer parte do mundo, os Estados Unidos se apresentam. Estaremos prontos para ajudar.

E em um momento em que quase uma em cada três pessoas globalmente não tem acesso a alimentos adequados, somente neste último ano, os Estados Unidos estão empenhados em reunir nossos parceiros visando lidar com as necessidades imediatas de desnutrição e garantir que possamos alimentar o mundo de forma sustentável nas próximas décadas.

Para esse fim, os Estados Unidos estão assumindo um compromisso de US$ 10 bilhões visando acabar com a fome e investir em sistemas alimentares no país e no exterior.

Desde 2000, o governo dos Estados Unidos já investiu mais de US$ 140 bilhões no avanço da saúde global e no fortalecimento dos sistemas de saúde, e continuaremos nossa liderança com o intuito de usar esses investimentos vitais a fim de melhorar a vida das pessoas a cada dia."

De lá para cá, como vimos, a guerra de Putin aprofundou a crise e turbinou a fome, de modo que os EUA vêm tomando, na medida do possível, as iniciativas correspondentes e coerentes com os compromissos internacionais estabelecidos.

Lula, porém, desinforma e aliena seu público, afeta superioridade moral e posa de pacifista de boteco, criando uma falsa oposição entre o fornecimento de comida para africanos e de armas para ucranianos, quando, na verdade, os EUA atuam em ambas as frentes, já que derrotar as tropas do autocrata imperialista russo, ou mostrar força para negociar em melhores termos, não apenas protege o povo da Ucrânia contra estupros, torturas e massacres, mas também ajuda a restabelecer o plantio, a exportação e o escoamento de grãos.

No dia da declaração de Lula, por exemplo, 85 navios da Ucrânia, carregados com grãos, estavam parados na cidade ucraniana de Odessa, situada às margens do Mar Negro, por causa do bloqueio russo, segundo o secretário de Estado americano, Antony Blinken. Ele também disse haver cerca de 25 milhões de toneladas de grãos em silos próximos à região.

Em vez de responsabilizar Putin pela invasão, por crimes de guerra e pela insegurança alimentar, Lula se torna cúmplice dele, atacando o presidente Volodymyr Zelensky, que defende seu país e seu povo; e os EUA, que ajudam o povo ucraniano a sobreviver e o povo africano a subsistir.

As ações americanas, claro, valem mais que mil palavras, mas Lula não reconhece tamanha obviedade, porque faturava milhões de dólares da Odebrecht e de outras empreiteiras do petrolão para dar supostas palestras "contra o fome no mundo".

Ao antiamericanismo do PT, que afaga tiranos em prol da "multipolaridade", soma-se justamente o revanchismo de quem jamais se conformou com as autoridades dos EUA por confirmarem, como mostrei no artigo "Os causadores do prejuízo da Petrobras", os subornos ocorridos na companhia durante os governos petistas.

Naquele mesmo discurso na ONU, aliás, Biden abordou genericamente o assunto:

"A corrupção fomenta a desigualdade, drena os recursos das nações, se espalha através das fronteiras e gera sofrimento humano. É nada menos do que uma ameaça à segurança nacional no século 21.

Em todo o mundo, vemos cada vez mais cidadãos demonstrarem seu descontentamento vendo os ricos e bem relacionados se enriquecer cada vez mais, aceitando pagamentos e subornos, e operando acima da lei enquanto a grande maioria das pessoas luta para encontrar um trabalho ou colocar comida na mesa ou para fazer sua empresa decolar ou simplesmente para mandar os filhos à escola.

Pessoas têm saído às ruas em todas as regiões a fim de exigir que seus governos atendam às necessidades básicas do povo, proporcionem a todos uma chance justa de sucesso e protejam seus direitos concedidos por Deus.

E nesse coro de vozes, através de línguas e continentes, ouvimos um grito comum: um grito por simples dignidade. Como líderes, é nosso dever atender a esse chamado, e não procurar silenciá-lo.

Os Estados Unidos estão empenhados em usar nossos recursos e nossa plataforma internacional para apoiar essas vozes, ouvi-las, fazer parceria com elas e encontrar maneiras de responder que promovam a dignidade humana em todo o mundo."

Neste sentido, compreende-se perfeitamente por que Lula prefere a companhia de Rússia, Cuba, Venezuela e Nicarágua.