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Felipe Moura Brasil

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

A falta de uma oposição liberal a Bolsonaro e Guedes

Colunista do UOL

10/06/2022 10h36

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Por coincidência, no mesmo dia em que Jair Bolsonaro e Paulo Guedes escancararam seu desprezo pelo liberalismo econômico em prol da reeleição do presidente, apelando ao empresariado para obter o menor lucro possível e congelar preços até 2023 em supermercados, João Amoêdo mostrou como seria o Partido Novo sob sua direção, se ele fosse realmente personalista, como os bolsonovistas espalham.

Eis os pontos centrais de seu artigo, destacados pelo próprio Amoêdo no Twitter:

"O Novo teria se declarado oposição ao governo Bolsonaro já em março de 2020;

O partido teria trabalhado pelo impeachment do presidente a partir de abril de 2020.

Isso não só seria o certo a ser feito, como pouparia os candidatos do Novo de constantemente responder à imprensa se o partido é ou não linha auxiliar do governo Bolsonaro.

O processo seletivo do Novo não aprovaria nenhum candidato para as eleições de 2022 que não seguisse as normas, resoluções e diretrizes partidárias, como a que estabeleceu em março de 2020 que o Novo é oposição ao governo Bolsonaro."

Se assim fosse - e naquele mês começava a pandemia, abrindo uma longa temporada de negacionismo, desinformação e perversidade bolsonaristas -, o Brasil teria, no sistema partidário, a oposição liberal e moral a Jair Bolsonaro e Paulo Guedes que o país só tem, hoje, entre vozes isoladas na arena política ou independentes no debate público.

Mas Amoêdo, que ficou à frente de Henrique Meirelles, Marina Silva e Alvaro Dias em 2018 com 2,5% dos votos e chegou a aparecer com 5% em pesquisas de 2021, foi sabotado pelos oportunistas que agora passam o dia nas redes sociais surfando em narrativas do bolsonarismo e patrulhando quem rejeita Bolsonaro tanto quanto Lula, garantindo, assim, a simpatia do financiador Salim Mattar, ex-secretário de Guedes.

No campo do centro para a esquerda, com posições estatistas, incluindo o desejo expresso de reverter a privatização da Eletrobras ("eu tomo de volta!") e de impedir a dos Correios ("é apenas um dos crimes que eles querem fazer"), existe em Ciro Gomes ao menos uma alternativa a Lula, oferecida a quem repudia ou se desiludiu com o petista e seu partido por qualquer razão, incluindo a roubalheira ocorrida durante os governos do PT e os privilégios na Petrobras e no BNDES à ala podre do empresariado.

No campo do centro para a direita, não há, em junho de 2022, alternativa sólida ao bolsonarismo na disputa presidencial, ainda que fosse para acender a chama de uma nova oposição ao futuro governo, de modo que os eleitores não representados se fragmentam, no momento, entre o precoce voto útil em Bolsonaro contra Lula; o voto de nariz tapado em Ciro Gomes contra Lula e Bolsonaro; e os votos em branco e nulos.

A possível e tardia chapa da emedebista Simone Tebet, com o tucano Tasso Jereissati de vice, teria de convencer o eleitorado de sua viabilidade em tempo exíguo, construindo ao mesmo tempo identidade e discurso capazes de atender a essa demanda reprimida, sem afastar o restante dos eleitores potenciais. Entre as facetas históricas do MDB, Tebet precisaria de muita habilidade para se ancorar na defesa das reformas liberais iniciadas no governo-tampão do impopular Michel Temer em favor da contenção dos gastos públicos, em detrimento das premissas de ganância empresarial do Plano Cruzado implementado em 1986 por José Sarney, presidente marcado pela atuação dos agentes chamados de "fiscais do Sarney", que verificavam se os preços de alimentos e combustíveis estavam realmente congelados, como querem agora Bolsonaro e Guedes.

Como o avanço inflacionário decorre da expansão monetária, que decorre do orçamento deficitário, que decorre dos gastos excessivos, a tentativa de reduzir pelo congelamento de preços uma hiperinflação de 242% em 1985 se revelou um fracasso, revertido somente a partir de 1994, quando o governo de Itamar Franco lançou o Plano Real.

Como o Brasil não aprende com erros do passado, porém, o plano de estabilização da moeda não impediu a trajetória de crescimento dos gastos para além do crescimento do PIB nas décadas seguintes, o que levou o governo Temer, em 2017, a estabelecer o teto de gastos, impedindo por 20 anos, para desagrado de Lula e Bolsonaro, a criação de um Orçamento para a União maior que o do ano anterior, a não ser pela correção dos valores conforme a inflação. Acima dela, de acordo com a emenda à Constituição, alguns gastos podem até crescer, desde que ocorram cortes reais em outras áreas. Mas qual populista topa cortar na própria carne, antes de exigir o sacrifício dos outros?

Eu, Felipe, queria ser dono de supermercado só para responder ao patriarca da família marcada pelas rachadinhas e ao tesoureiro enrustido de sua campanha eleitoral que até toparia congelar preços, obter o menor lucro possível, reduzindo a já apertada margem de 2%, e ainda receber com comes e bebes os "fiscais de Bolsonaro e Guedes", se a turma deles tivesse economizado em gabinetes, mansões, cartões corporativos, fundo partidário, fundão eleitoral (5 bilhões!), orçamento secreto (16,5 bi!), além de ter dado continuidade à aprovação de reformas, como a tributária e a administrativa.

Enquanto o país atingia a maior inflação em 27 anos, com 33 milhões de brasileiros passando fome, 12 milhões desempregados e agora um indigenista e um correspondente britânico desaparecidos em região amazônica que une caça, pesca e garimpo ilegais com tráfico de armas e drogas, Bolsonaro focava em evitar cadeia para si e seus filhos, criar guerras imaginárias, comprar apoio parlamentar e torrar dinheiro público. Neste sentido, a falta de uma oposição liberal ao bolsonarismo é um vexame ainda maior para a direita política brasileira que o próprio radical do Centrão que ocupou e perverteu esse espaço.