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Felipe Moura Brasil

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

O culto à malícia de Lula

Lula participa de entrevista ao "Jornal Nacional", da TV Globo - Reprodução/TV Globo
Lula participa de entrevista ao 'Jornal Nacional', da TV Globo Imagem: Reprodução/TV Globo

Colunista do UOL

26/08/2022 13h26

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Lula usou no Jornal Nacional os velhos truques retóricos do PT para encobrir suas responsabilidades pela roubalheira no Brasil e pelo apoio a ditaduras estrangeiras.

O primeiro truque é listar medidas aprovadas pelo Congresso durante os governos de Lula e Dilma Rousseff - em alguns casos, sob pressão popular - para tentar se apropriar do crédito pelo posterior combate à corrupção, inclusive petista.

Para compensar o demérito dos crimes cometidos, portanto, evoca-se um suposto mérito prevalecente: o de ter fornecido ferramentas para investigar os esquemas criminosos.

O candidato ainda turbinou artificialmente a lista no JN, creditando a seu governo dois adventos da gestão FHC: a criação do Coaf (Centro de Controle de Atividades Financeiras) e da lei que tipificou o crime de lavagem de dinheiro e ocultação de bens.

Tudo para desviar a atenção da culpa pelos esquemas para a existência da investigação deles, narrando-se que a corrupção foi encontrada porque investigada, não porque cometida por membros do PT e seus cúmplices, durante os governos do partido.

É o melhor dos dois mundos espúrios: para enriquecimento ilícito, financiamento de campanhas e compra de apoio parlamentar, rouba-se e se deixa roubar na base do 'se colar, colou'. Não colando, credita-se a si próprio o combate, em vez do roubo.

A narrativa até teria alguma correspondência no mundo real se Lula tivesse repudiado os crimes petistas, expulsado os condenados da legenda, evitado a reincidência dos esquemas, atuado para endurecer ou pelo menos manter a legislação penal, e garantido que seguirá nomeando o primeiro da lista tríplice do MPF para o cargo de PGR.

A realidade, porém, é o oposto.

Lula virou um negacionista dos esquemas criminosos, exaltou o mensaleiro José Dirceu que reincidiu na corrupção da Petrobras, avalizou tanto os ataques ao seu delator e ex-ministro Antônio Palocci quanto o afrouxamento das leis penais aprovado pela base do PT no Congresso junto aos bolsonaristas, e se recusou no JN a garantir a nomeação do primeiro da lista tríplice, já que havia se irritado com a falta de "gratidão" de Rodrigo Janot por ter sido nomeado por Dilma Rousseff, como revelou uma escuta telefônica.

Lula esperava vista grossa, não independência, assim como esperava que as medidas anticrime originais fossem ser aplicadas contra o crime organizado, não contra os próprios petistas. Como a única 'autocrítica' do PT diz respeito às brechas que o partido deixou para ser exposto em toda a sua crueza, ele não quer cometer esse 'erro' de novo, mas usa acertos involuntários do passado para enganar o povo sobre o futuro.

Na sabatina, Lula só admitiu a existência do petrolão na parte referente aos bilhões de reais recuperados pela Lava Jato, porque "você não pode dizer que não houve corrupção se as pessoas confessaram" e devolveram o dinheiro roubado.

Como Palocci confessou, mas o envolveu, Lula então mentiu sobre a relação da força-tarefa com os colaboradores, dizendo que eles "ficaram ricos por conta de confessar".

"Você não só ganhava liberdade, por falar o que queria o Ministério Público, como você ganhava metade do que você roubou. Ou seja, o roubo foi oficializado pelo MP."

Deltan Dallagnol reagiu no Twitter:

"Lula MENTE que colaboradores ganhavam parte do dinheiro que roubaram. É FAKE. Pela primeira vez, R$ 15 bilhões foram recuperados. Antes da Lava Jato, corruptos nunca devolveram o dinheiro que roubaram e o dinheiro ficava inalcançável em contas no exterior."

Sergio Moro fez vários comentários e ironias:

"Lula não explicou a roubalheira, desviou da pergunta. O saque bilionário à Petrobras aconteceu sem o seu conhecimento? A única verdade na entrevista é a voz rouca.

Quem escolheu a Diretoria pilantra da Petrobras foi o Lula. Nenhum arrependimento. Combate à corrupção prejudica a economia, segundo Lula. Defende o 'rouba, mas faz'. Malufou.

Entendi errado ou o novo Lula quer controlar e intimidar o Ministério Público? Vai se reunir com eles para dizer o que terão que fazer? Não se compromete com a lista tríplice.

Lula diz que vai para a Presidência no sacrifício. Preferia ficar em casa. No triplex ou no sítio de Atibaia?"

O candidato do PT ainda posou de vítima de uma "mentira" que "foi longe demais". Na verdade, Lula podia ter feito o certo, recusando-se a desfrutar mordomias entregues por empreiteiras do petrolão. Mas preferiu o luxo e precisou dos votos de afilhados no STF.

"Eu não quero amigo no Ministério Público, na Polícia Federal, no Itamaraty", bravateou o candidato que indicou seus amigos Dias Toffoli e Ricardo Lewandowski para o Supremo. Ambos votaram a favor dele em tudo, na mais alta Corte do país.

"O que eu acho maravilhoso é denunciar a corrupção", "por isso acho importante uma imprensa livre", acrescentou o petista, com sua faceta eleitoral. O Lula real só aceita denúncia contra os outros, pede 'cabeça' até de mulher e quer regular a imprensa.

Ele também posa de líder da frente ampla pela democracia, mas é incapaz de criticar os abusos de poder dos regimes de Nicarágua, Venezuela e Cuba.

"Para um democrata, a gente precisa respeitar a autodeterminação dos povos", disse o candidato, repetindo sua eterna desculpa para aliviar ditaduras amigas, que ajudou a erguer com campanhas e/ou financiar com dinheiro dos brasileiros, via BNDES e Ministério da Saúde.

Quando convém, Lula desrespeita tranquilo os povos oprimidos pelos autodeterminados Daniel Ortega, Hugo Chávez, Nicolás Maduro, irmãos Castro e seus sucessores.

Só tenta se descolar de Dilma e seu legado desastroso na economia, para então prometer picanha e cerveja com base na memória da bonança anterior a ela, quando Lula surfou na onda do Plano Real, que ele e Bolsonaro combateram, e na alta do preço das commodities no mercado internacional, que ocorreu independentemente dele.

O colunismo lulista adorou a performance do candidato no JN.

Ela rendeu numerosas manchetes positivas e entusiasmadas, já que a cobertura eleitoral vem sendo tomada, inclusive do lado bolsonarista, por um conjunto de 'sommeliers de sabatina', que trocam o dever jornalístico de contrastar os métodos de propaganda e o histórico detalhado dos fatos pela qualificação e legitimação do desempenho teatral.

O Brasil padece do culto à malícia e ao cinismo.

Sintoma de um país onde a decência não é valor prioritário.