Topo

Felipe Moura Brasil

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

O que é o 'socialismo refinado' de Lula

Colunista do UOL

29/09/2022 18h29

Receba os novos posts desta coluna no seu e-mail

Email inválido

1.

Capitalismo de compadrio (ou de compadres) é o conceito de uma economia em que o sucesso nos negócios depende das estreitas relações entre empresários e classe política.

Socialismo é uma ideologia de matiz política, econômica e filosófica que se propõe a atenuar ou eliminar as diferenças de poder econômico por meio do poder político.

Invariavelmente, o primeiro resulta em privilégios, escambos, concorrência desleal, corrupção, lavagem de dinheiro, compra de apoio parlamentar e financiamento ilícito de campanha com fins de perpetuação no poder.

O segundo resulta na tomada da riqueza por governantes que unificam o poder político e econômico, criando um desnível ainda maior entre eles e o restante da sociedade, agora igualada na submissão e na miséria.

Em entrevista de 22 de setembro de 2022 ao apresentador Ratinho na TV, Lula se proclamou um "socialista refinado":

"Eu me considero um cidadão de esquerda. Me considero um socialista refinado porque eu defendo a propriedade privada, defendo a liberdade de organização, eu defendo o direito de greve. Eu quero construir um mundo mais harmonioso. Eu já fiz isso. Esse país era mais feliz. Até você [Ratinho] era mais feliz, até você dava mais risada."

O "refinamento" de Lula nos governos do PT, na verdade, foi colocar o capitalismo de compadrio nacional a serviço do socialismo internacional, financiando com cerca de 11 bilhões de reais (2,1 bilhões de dólares) dos brasileiros, via BNDES, os regimes de Cuba e Venezuela, por meio de obras tocadas por empreiteiras também favorecidas no esquema de corrupção da Petrobras, onde contratos eram liberados em troca de propinas, pagas inclusive sob forma e reforma de imóveis.

2.

O valor total do financiamento concedido pelo BNDES para obras de expansão do metrô de Caracas, por exemplo, foi de 4,207 bilhões de reais, dos quais pelo menos 2,279 bilhões foram pagos à Odebrecht. Executivos da construtora confirmaram em colaboração premiada que pagavam propina no Brasil e na Venezuela para executar obras públicas. Marcelo Odebrecht disse que a empresa pagou 98 milhões de dólares, de 2006 a 2015, a membros dos governos chavistas - em favor dos quais, vale lembrar, Lula indicou o casal de marqueteiros João Santana e Mônica Moura, como ela própria relatou, e também fez campanha, pedindo aos venezuelanos para votarem em Hugo Chávez e Nicolás Maduro.

O mesmo empreiteiro citou o Porto de Mariel, no oeste cubano, como um dos projetos nos quais a Odebrecht não tinha interesse e em que se envolveu após conversas entre Lula e seu pai, Emílio. O financiamento do BNDES para ampliação e modernização do terminal portuário foi de 682 milhões de dólares (mais de 2 bilhões de reais), com juros entre 4,44% e 6,91% ao ano e 25 anos de prazo de amortização, o mais longo já concedido para engenharia no exterior, segundo dados do site do banco. O crédito foi concedido em cinco parcelas, contratadas entre fevereiro de 2009 (segundo governo Lula) e maio de 2013 (primeiro governo Dilma).

Já o presidente da Andrade Gutierrez, Otávio Marques Azevedo, contou, por exemplo, que a empreiteira ganhou um contrato venezuelano graças ao lobby de Lula com Hugo Chávez e que, depois, o operador petista João Vaccari Neto veio cobrar "1% sobre a parte financiada pelo governo brasileiro". O percentual era o mesmo pago na construção da usina hidrelétrica de Belo Monte, da qual Lula se arrogara o papel de "fiscal"; mas, neste caso, segundo Azevedo, havia a divisão de "0,5% para o PT e 0,5% para o [então] PMDB" - belo monte de propina, como apelidei na ocasião.

Só com a corrupção em curso de 2004 (primeiro governo Lula) a 2012 (primeiro governo Dilma), a Petrobras perdeu 6,2 bilhões de reais, de acordo com seu balanço de 2014 - ano em que a empresa teve um prejuízo líquido de 21,6 bilhões de reais, o maior desde 1991; depois superado, ainda com Dilma, por outro de 34,8 bilhões, dessa vez o maior de sua história.

Contando com o valor superfaturado de 14,53% em cada contratação, as 24 empresas do cartel comandando pelo "clube" das seis maiores (Odebrecht, Andrade Gutierrez, OAS, Camargo Corrêa, Queiroz Galvão e UTC) causaram R$ 12,3 bilhões de prejuízo à Petrobras, segundo estudo aprovado pelo Tribunal de Contas da União (TCU), sob a relatoria do ministro Benjamin Zymler. Por alegadas palestras sobre o combate à fome, Lula recebeu 9,5 milhões de reais dessas seis empreiteiras do "clube", enquanto distribuía 190 reais a beneficiários do Bolsa Família.

A partir de 2012, ele também aproveitou ao menos 111 vezes as mordomias do sítio em Atibaia reformado e customizado por Odebrecht e OAS, empresa que comprou na mesma loja em São Paulo as cozinhas do sítio e do triplex. Para o primeiro, Lula enviou seus pertences e de seus familiares após deixar o governo, incluindo 70 caixas de vinho. O endereço ainda serviu para entrega de um barco de pesca comprado por sua então esposa, Marisa Letícia, em 2013. Na borda da embarcação se lia "Lula & Marisa", enquanto, no lago da propriedade, havia dois pedalinhos, com os nomes dos netos do petista, como apontei em primeira mão na época.

O sítio começou a ser preparado quando Lula ainda era presidente. O ex-engenheiro e delator da Odebrecht Emyr Diniz Costa Júnior, por exemplo, apresentou comprovantes de que recebeu um total de R$ 700 mil, em dezembro de 2010, que seriam utilizados para custear materiais e serviços da reforma do imóvel de luxo em Atibaia.

3.

Nem manobras jurídicas nem o reacionarismo aloprado de outro populista patrimonialista, como Jair Bolsonaro, apagam os fatos.

A despeito das promessas genéricas de campanha, em busca de um "cheque em branco" do eleitorado, o histórico de Lula mostra sua ligação com a "propriedade privada" registrada em nome dos outros, com a "liberdade de organização" de clubes e ditaduras, e com o "direito de greve" de princípios em nome de "um mundo mais harmonioso", onde se distribuem migalhas para o povo esfomeado ser "feliz", enquanto os amigos do rei faturam bilhões de reais, contando com o lobismo dele até no exterior, remunerando seus serviços como palestrante e emprestando a ele jatinhos particulares.

Lula não é visto como "socialista", porque, de um lado, a esquerda e setores da imprensa só enquadram no conceito quem defende ou promove a socialização dos meios de produção; e, do outro, porque a direita banalizou a palavra como um xingamento, tal qual esquerdistas fizeram com "fascista".

Mas não está errado colocar Lula no Powerpoint do socialismo internacional. O "socialista refinado" é o capitalista que transforma o Estado em um banco a serviço de seus compadres empresários e ditadores.

Quem não o conhece, ou conhece, que o compre de novo.