Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.
Retrospectiva 2021: adeus ano novo, feliz ano velho
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Muita gente tem dito que 2021 foi um ano que passou arrastado. A sensação, para essas pessoas, é de que, na rabeira de 2020, esse foi mais um ano perdido, um ano que nos roubou outros 365 dias de vida, outro ano que poderia não ter existido.
Talvez, em parte, essa frustração se explique pelas enormes expectativas que foram criadas em torno de 2021. Depois do baque inicial da pandemia, em 2020, nos refugiamos na esperança de que esse seria um ano de renovação e de avanços. Como toda análise que se deixa contaminar por desejos ilusórios, no entanto, é claro que esse não foi o caso. 2021 definitivamente não foi um ano de mudanças radicais. Não deu lugar nem ao "novo" e nem ao "normal".
Ao mesmo tempo, porém, está longe de ter sido um ano "morno". Talvez o mais justo balanço que se possa fazer a seu respeito é de que esse foi um ano marcado pelo resgate de pendências, um ano em que nos vimos permanentemente confrontados com os efeitos e as consequências de nossas próprias escolhas do passado. Em matéria de política internacional estamos falando de um ano de continuidades.
Nos Estados Unidos, por exemplo, a chegada de Joe Biden à Casa Branca encerrou formalmente o ciclo representado por Donald Trump. Ainda assim, nem de longe isso representou o fim do trumpismo no país. Da invasão ao Capitólio às enormes dificuldades no avanço da vacinação, os sintomas apontam para uma profunda e duradoura polarização politica e para uma guerra cultural que está longe de acabar. Do ponto de vista da política externa, foi um ano recheado de constância, sobretudo envolvendo conflitos com China e Rússia, além de reencontros amargos com o passado recente, como foi o caso da atribulada retirada do Afeganistão, dos novos capítulos no velho contencioso com o Irã, e do agravamento da crise migratória na fronteira sul.
Também na Europa o que testemunhamos foi predominantemente um momento de continuidades, com o fortalecimento do nacionalismo e protecionismo em vários países, em um contexto ainda dominado pela agenda pós-Brexit. É claro que o adeus de Merkel, na liderança da Alemanha, e as eleições da França em 2022 trazem alguma expectativa de movimentação política ao continente nesse fim de ano, mas seria exagero dizer que já tenhamos vivido quaisquer mudanças significativas.
Na América Latina, seguiu-se o fluxo de crise econômica, desunião política e desarticulação das estruturas de governança regional. Na África, também novos capítulos de antigas histórias, incluindo o agravamento da guerra civil na Etiópia, que dominou as manchetes do noticiário internacional em vários momentos.
Em termos de "macro tendências", por sua vez, 2021 foi o ano que girou em torno do sufixo "ia": pandemia, democracia, economia e ecologia.
Apesar dos problemas que incluem novas variantes da covid-19 e a desigualdade na distribuição de imunizantes, o ano foi, de fato, marcado pela chegada da vacina contra o coronavírus e pela intensificação do combate à doença, o que derrubou a taxa de infecção e mortalidade em boa parte do planeta. Foi um avanço importante e decisivo.
As notícias são menos auspiciosas, no entanto, quando o assunto é democracia, economia ou ecologia. Em 2021 testemunhamos a continuidade e o agravamento da erosão das instituições democráticas em diversas partes do mundo, inclusive no Brasil.
Para além de escândalos como o do "Pandora Papers", também foi um ano de baixa atividade econômica, em geral, com índices de inflação elevados e crise de abastecimento e suprimentos em todos os continentes.
Por fim, 2021 foi o ano em que o meio ambiente cobrou o preço da degradação, com inundações e queimadas históricas, furacões e erupção de vulcões. Mesmo com a realização da COP26, foi o momento em que, outra vez, os países falharam em pactuar medidas para lidar com a emergência climática e o aquecimento global.
É sobre isso: não houve nada de muito novo no "front", ainda que certas continuidades tenham-nos garantido fortes emoções. Seguimos, como humanidade, estáveis, mas em estado grave.
Adeus ano novo, feliz ano velho.
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