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Fernanda Magnotta

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Em relatório de defesa, EUA focam em China e citam política da Guerra Fria

Colunista do UOL

03/04/2022 21h33

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Ao longo da última semana, o Departamento de Defesa dos Estados Unidos enviou ao Congresso norte-americano uma versão do que virá a ser a Estratégia Nacional de Defesa de 2022.

Para além da novidade que foi o anúncio de uma política totalmente integrada, incluindo a esfera nuclear, a divulgação do material chamou a atenção por dois outros motivos: 1) o excessivo foco dado à China, e não à Rússia, que nesse momento obviamente monopoliza a agenda de segurança global; 2) a indicação de que os Estados Unidos estarão, de agora em diante, orientados a políticas de dissuasão, uma estratégia típica da Guerra Fria.

O documento cita quatro como sendo as prioridades do Pentágono:

1. Defender o país contra a "ameaça multidimensional" que é a China;
2. Dissuadir ataques estratégicos contra os Estados Unidos, aliados e parceiros;
3. Dissuadir a agressão, "estando preparados para prevalecer no conflito quando necessário", e priorizando a China no Indo-Pacífico, além do desafio da Rússia na Europa;
4. Construir uma "Força Conjunta resiliente e um ecossistema de defesa".

Há menções pontuais feitas sobre Coreia do Norte, Irã e o terrorismo, além de problemas no campo transfronteiriço, como é o caso de pandemias. Apesar disso, nada se compara ao peso dado à China ao longo do texto.

A China é descrita como o "maior concorrente estratégico dos Estados Unidos" e um "desafio de ritmo", para usar expressões literalmente empregadas pelo Pentágono. A Rússia parece ser retratada, por outro lado, como uma ameaça temporária, com momentos "agudos", como é o caso da Ucrânia nos tempos atuais. O foco em China é uma abordagem interessante e que merece um olhar atento. Trata-se, claro, de uma continuidade em relação ao que vinha sendo construído nos Estados Unidos dos últimos anos, sobretudo ao longo do governo Trump, mas que muitos imaginariam desaparecer ou se atenuar após a incursão russa de 2022 no leste europeu. Não parece o caso. Os Estados Unidos demonstram entender que a Rússia é um desafio de curto prazo, mas que a China é a ameaça hegemônica mais importante e, portanto, demandante de atenção.

O outro aspecto tem a ver com a forma com que o governo norte-americano promoverá seus objetivos. A Estratégia Nacional de Defesa de 2022 fala em "dissuasão integrada", "campanhas" e "ações que construam vantagens duradouras". Desses, o mais importante é o primeiro. Ele envolve reunir e manter capacidades elevadas (principalmente militares) e prontas para o uso imediato com vistas a desencorajar eventuais ensejos de agressão por terceiros. No caso dos Estados Unidos, inclui não apenas as próprias fontes de poder, mas a rede de aliados e parceiros, somando forças tradicionais e capacidades nucleares. Trata-se da retomada de um discurso típico da Guerra Fria e muito diferente do que vinha sendo praticado nas últimas décadas, em que prevalecia, sob a ótica unipolar, uma auto percepção de primazia.

Esses são dois sinais importantes quando o assunto é "tirar a temperatura" do futuro da política internacional. Embora o objetivo do documento seja pontuar aspectos sobre "os outros", não se pode ignorar tudo o que ele tem a nos dizer sobre os próprios Estados Unidos: trata-se de um país preocupado com suas próprias vulnerabilidades e disposto a reconhecer que precisa adequar a sua liderança a uma realidade que é, antes de tudo, típica do "mundo pós americano", para usar a famosa expressão de Fareed Zakaria.