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Fernanda Magnotta

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Os perigos de fazer da Ucrânia uma "guerra por procuração"

O secretário de Defesa dos Estados Unidos, Lloyd Austin, o presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelensky, e o secretário de Estado americano, Anthony Blinken, durante reunião em Kiev - Reprodução/Telegram/Volodymyr Zelensky - 25.abr.2022
O secretário de Defesa dos Estados Unidos, Lloyd Austin, o presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelensky, e o secretário de Estado americano, Anthony Blinken, durante reunião em Kiev Imagem: Reprodução/Telegram/Volodymyr Zelensky - 25.abr.2022

Colunista do UOL

30/04/2022 10h19

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"Proxy War" (ou "Guerra por Procuração") é uma expressão que tem aparecido com certa frequência desde o início da crise na Ucrânia. O termo, típico do universo de Relações Internacionais, é evocado sempre que, durante um conflito, dois países se enfrentam de forma indireta, por meio de terceiros como intermediários ou substitutos.

No caso da Ucrânia, o conceito ganhou espaço durante a cobertura jornalística mundo afora, a partir da análise de especialistas e, mais recentemente, por meio da manifestação do ministro de Relações Exteriores da Rússia, quando ele demonstrou seu incômodo com o tipo de ajuda militar oferecida pelo Ocidente à Kiev.

Todos sabemos, há muito tempo, que a guerra na Ucrânia nunca foi exatamente sobre a Ucrânia. Já falamos sobre isso por aqui anteriormente, inclusive. Ela acontece como forma de contrapor os interesses entre rivais de outros carnavais: a Rússia e os Estados Unidos.

Esse tipo de estratégia funciona, para as potências, como uma forma de contraposição a custos mais baixos do que de uma guerra direta, além de garantir a saída pela negação sempre que necessário. Como diz a frase que se atribui ao presidente norte-americano Dwight D. Eisenhower, as proxy wars são, aos olhos de muitos líderes, "o seguro mais barato do mundo".

O problema de usar terceiros para lutar suas próprias guerras é que, do Vietnã ao Afeganistão, isso revelou uma série de riscos. E, na Ucrânia, isso não é diferente.

As guerras por procuração são altamente sensíveis, em primeiro lugar, porque incluem desafios táticos, logísticos e de controle. Os patrocinadores da guerra oferecem armas, financiamento, treinamento e assistência material em geral para que um player seja capaz de sustentar o esforço de combate, mas eles não possuem garantias sobre os destinos e o uso desses insumos. Não é possível, necessariamente, rastrear e manter responsabilidade sobre os recursos, nem assegurar o modo como os objetivos serão implementados. Em casos anteriores, o desvio de armas levou a novos riscos de segurança inicialmente inexistentes.

Além disso, esse tipo de guerra inclui um enorme potencial de escalada, seja proposital, seja de forma acidental, por erro de cálculo ou falha de comunicação. No caso do enfrentamento entre potências nucleares, esse fator não é desprezível. Um conflito militar direito entre Rússia e os países da OTAN traria danos incalculáveis ao sistema internacional. Além disso, do ponto de vista dos proxies, a história nos mostra que intervenções estrangeiras tendem a promover "casamentos por conveniência" que incentivam ainda mais a fragmentação política e, com isso, prolongam os conflitos.

Por fim, a condução de guerras nesses termos costuma atrapalhar o avanço das negociações, pois o pano de fundo da disputa torna os interesses irreconciliáveis e levanta suspeitas sobre mediadores que se apresentem. Nesses casos, até mesmo os primeiros passos do diálogo diplomático, como a declaração de um cessar-fogo ou o estabelecimento de um acordo de paz temporário carecem de legitimidade e de confiança entre as partes.