Topo

Fernanda Magnotta

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Encontro do G7 reforça percepção de mudanças iminentes na ordem global

Líderes do G7 em reunião na Alemanha - Ludovic Marin/REUTERS
Líderes do G7 em reunião na Alemanha Imagem: Ludovic Marin/REUTERS

Colunista do UOL

30/06/2022 04h00

Receba os novos posts desta coluna no seu e-mail

Email inválido

Acompanhamos, atentos, há alguns dias, o encontro do G7 no Castelo de Elmau. Lideranças de Alemanha, Canadá, Estados Unidos, França, Itália, Japão e Reino Unido discutiram, em alto nível, os principais problemas internacionais da atualidade. Na pauta, as crises alimentar, energética e climática, além da guerra da Ucrânia e os desafios estratégicos e de segurança dela decorrentes.

Para além da necessidade de conter efeitos mais imediatos das instabilidades globais e do reiterado apoio do bloco ocidental à Kiev, o que mais chamou a atenção durante o evento foi a preocupação evidente dos membros do G7 com movimentos de contestação da ordem estabelecida por parte de países ali ausentes.

Rússia e China foram tratados, especificamente, como agentes desestabilizadores do sistema. No primeiro caso, o foco esteve em discutir dependência energética e novas sanções contra Moscou, como aquelas relacionadas à importação de ouro, por exemplo. No segundo caso, a ênfase girou em torno dos incômodos relacionados à aliança sino-russa, questões ligadas a direitos humanos e aquilo que os aliados consideram, do ponto de vista do comércio internacional, práticas desleais e pouco transparentes.

Se o encontro virtual dos BRICS, na semana anterior, demarcou a predisposição dos países emergentes em adotar um alinhamento pragmático entre si, procurando desviar de temas sensíveis e de divergências mútuas em nome de busca por espaço e protagonismo na arena internacional, o evento do G7 escancarou a preocupação das potências estabelecidas em preservar o status quo e os valores que regem a ordem liberal da qual se veem como representantes óbvios.

Embora o tensionamento entre esses dois mundos não seja propriamente uma novidade, não é exagerado dizer que o momento demarca o acirramento de discursos e ações. Rússia e China, pouco a pouco, assumem não apenas o seu incômodo com as estruturas vigentes, mas expõem, com mais clareza, o que alguns reconheceriam como um "caráter revolucionário". Enquanto isso, do lado do G7, os Estados Unidos e Europa tentam dividir a carga de sustentar o sistema e reformá-lo antes que ele entre em colapso. Para além da mobilização interna, sem surpresa, as potências olham para países que estratégicos no Sul global, com os quais deseja preciso estreitar laços. É o caso de Argentina, Índia, Indonésia, Senegal e África do Sul, convidados a participar desse encontro do G7.

Apesar disso, a incerteza sobre o futuro está na direção, na intensidade e nos custos de uma eventual mudança. De acordo com diversos intelectuais de referência no campo de Relações Internacionais, como Charles Kindleberger, Stephan Krasner, Robert Gilpin e Robert Keohane, a estabilidade estrutural costuma ocorrer quando uma potência hegemônica se responsabiliza por atuar como patrocinadora do sistema existente.

Em "O Fim do Império Americano?" Jan Pieterse detalha essa ideia ao afirmar que a estabilidade depende de atores que estejam dispostos a administrar a liquidez financeira em momentos de crise, atuar como fonte de capital para o desenvolvimento, servir como mercado em última instância, oferecer incentivos gerais, salvaguardar que todos os participantes do sistema prezem pelo livre comércio, além de preservar a paz e a segurança do sistema.

No século XXI, nem Estados Unidos, nem os países europeus parecem ter condições de fazer isso sozinhos. Ao mesmo tempo, Rússia e China esbarram na construção de sua própria legitimidade como líderes globais.