Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.
A violência política é um mal que nos assombrará cada vez mais neste século
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A violência política não é, obviamente, uma novidade. Apesar disso, no contexto deste século, ganha contornos particularmente especiais.
Apenas nos últimos meses, testemunhamos o assassinato de Shinzo Abe, no Japão, o ataque ao escritor Salman Rushdie, nos Estados Unidos, e mais recentemente, o atentado contra Cristina Kirchner, na Argentina.
No Brasil, uma pesquisa divulgada pela UniRio, em 2022, indica que os casos de violência política cresceram 335% no país apenas nos últimos três anos. Entre os de maior repercussão recente, a morte do tesoureiro do PT, Marcelo de Arruda, em Foz do Iguaçu, durante uma festa de aniversário que tinha o ex-presidente Lula como tema.
A explicação para esse movimento certamente demanda reconhecer o caráter multifatorial desse tipo de processo. Por isso mesmo, infelizmente não há sinais de que essa tendência diminuirá no decorrer das próximas décadas. Ao contrário, episódios como esses devem se tornar cada vez mais corriqueiros.
Embora sejam, muitas vezes, perpetrados pelos chamados "lobos solitários", indivíduos que concebem e cometem atos violentos por conta própria, sem estarem submetidos a quaisquer estruturas de comando nem contarem com apoio material de redes organizadas para tanto, as raízes desse problema são profundamente associadas à dinâmica social, ao convívio em grupo e aos diversos desafios sistêmicos de nossos tempos.
A violência política nasce da desigualdade crescente, do empobrecimento das pessoas e do aumento das assimetrias sociais, que alimentam tensões e a busca permanente por "culpados" que possam ser responsabilizadas pelas mazelas que se apresentam. Estamos falando da percepção de deteriorização da qualidade de vida, da diminuição das oportunidades, da perda de competitividade no mercado de trabalho, etc.
Além disso, a violência política se acentua em meio à degradação da saúde mental dos indivíduos e da limitada capacidade de resposta/atendimento disponível para lidar com isso. É central, no século 21, reconhecer os desafios trazidos por distúrbios significativos no campo da cognição, da regulação emocional e do comportamento, bem como seus impactos indiscutíveis no convívio social.
Nesse mesmo sentido, estamos vivendo tempos de permanente reforço de ressentimentos profundos. A busca por reconhecimento (o "fazer-se especial"), a necessidade de pertencimento e a crença no protagonismo individual, como força transformadora da história, precisam ser levados em conta quando olhamos para cenários graves envolvendo violência desse tipo.
Nesse imenso caldeirão, cheio de ingredientes importantes, não se pode ignorar, claro, também o papel desempenhado pelo aumento da polarização política, que tem lugar mundo afora, bem como da radicalização ideológica e da descrença generalizada nas instituições. A violência política tem como pano de fundo o descontentamento com o mainstream, sobretudo os partidos e as elites/lideranças vistas como tradicionais. Engloba a busca por saídas simples para problemas complexos e repousa sobre a crença no papel revolucionário de figuras vistas como "genuínas" e "salvadoras", assim como das narrativas propagadas por elas.
Por fim, tudo isso não deixa de ser sintoma de uma sociedade que espetaculariza a vida nas redes sociais, reforçando, nesse meio, crenças vistas como verdades absolutas dentro das próprias bolhas e câmaras de eco. No universo digital, há campo fértil para que forças políticas angariem apoio para seus próprios projetos de poder instrumentalizando discursos e manipulando as paixões dos indivíduos, sobretudo dos mais vulneráveis, em favor de uma agenda que lhes favoreça.
É difícil, diante do mundo que se coloca em nosso horizonte, não pensar na grande Hannah Arendt, que já há algumas décadas fez o diagnóstico preciso: "Vivemos tempos sombrios, onde as piores pessoas perderam o medo e as melhores perderam a esperança".
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