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Fernanda Magnotta

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Mídia dos EUA enfrenta dilema para cobrir Trump, condenado e presidenciável

O ex-presidente dos EUA, Donald Trump, chega à Trump Tower, após ser indiciado - REUTERS/David Dee Delgado
O ex-presidente dos EUA, Donald Trump, chega à Trump Tower, após ser indiciado Imagem: REUTERS/David Dee Delgado

Colunista do UOL

14/05/2023 08h55

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Nessa última semana, Donald Trump capturou as atenções da mídia por duas vezes, um dia seguido do outro, por motivos que fazem, por si só, o tema virar notícia. Na terça-feira, estampou as páginas policiais depois de ter sido condenado a indenizar a escritora E. Jean Carroll em US$ 5 milhões por abuso sexual e difamação.

Na quarta-feira, Trump participou do primeiro grande evento de sua campanha presidencial rumo à Casa Branca em 2024. A convite da CNN, respondeu a perguntas de eleitores republicanos e indecisos em um "town hall" organizado pela emissora em New Hampshire. Foi a primeira entrevista de Trump à CNN desde 2016.

O evento permitiu notar algumas mudanças da estratégia de Trump em relação ao padrão adotado anteriormente em suas companhas:

1) O ex-presidente cercou-se de uma equipe mais organizada e experiente, que tem como meta profissionalizar o seu estilo de campanha "não convencional", com foco em assumir "riscos controlados".

2) Grandes comícios devem ser complementados com eventos mais intimistas e "ações de varejo", como a imprensa norte-americana costuma designar.

3) Falar com a veículos tradicionais, sobretudo de TV, será tratado como forma de atingir indecisos e mirar no acesso a um público mais amplo, mas não apenas: é também uma forma de contrastar com o governador da Flórida, Ron DeSantis, que é resistente a falar com os grandes grupos de comunicação dos Estados Unidos. Também há deliberada intenção de evitar a dependência de veículos como a Fox News que, até o momento, parece inclinada a apoiar DeSantis, o principal rival republicano de Trump.


Apesar disso, há também continuidades importantes que precisam ser enfatizadas quando o assunto é a corrida presidencial trumpista. Em conteúdo, tudo indica que as manifestações de Trump seguirão a mesma lógica de sempre, mas em uma versão 2.0: se, em 2016, Trump se vendia como um "outsider" que tinha como missão "drenar o pântano" (em referência à Washington), em 2024, interessa ao ex-presidente propagar a ideia de que está sendo perseguido politicamente justamente por ter contrariado interesses das elites norte-americanas. Trump tentará minimizar a importância das dezenas de processos movidos contra ele batendo nessa tecla.

Também está claro que o ex-presidente seguirá apoiando seu discurso em uma retórica populista, que usa linguagem simplificada e direta para se conectar com o público e que explora frases de efeito e repetições. Também continuará empregando uma abordagem agressiva e combativa em discussões políticas, assim como navegará, de acordo com a conveniência, por dados e informações incompletas e/ou imprecisas que possam contribuir para reforçar suas ideias com algum verniz e senso de credibilidade.

Trump é, nesse momento, o principal candidato do partido republicano para o pleito de 2024. Está quase 30 pontos a frente da segunda opção. É, ao mesmo tempo, investigado e réu em uma série de processos graves, que vão de má conduta financeira à espionagem, passando por incitação de violência e conspiração antidemocrática no caso dos ataques ao Capitólio de 06 de janeiro.

Inaugura, com isso, um dilema inédito na cobertura midiática dos Estados Unidos: como lidar um candidato com esse perfil? Se, por um lado, não se pode ignorar a existência de um candidato popular e importante, por outro lado, como fazê-lo sem permitir que ele subverta o debate público? Além disso, qual a melhor estratégia para combater a desinformação, já que ela deverá, novamente, aparecer como arma relevante de campanha? Não seria melhor optar por entrevistas gravadas, que podem ser verificadas antes de irem ao ar do que eventos ao vivo, por exemplo, em que a checagem em tempo real é mais difícil?

Em 2016 estima-se que a campanha de Trump se beneficiou de cerca de US$ 2 bilhões de mídia grátis, já que as controvérsias geradas por ele capturavam a cobertura da imprensa e definiam a agenda. Em 2020, Trump novamente investiu na ideia de fazer de sua campanha um reality show. O que fazer em 2024, portanto?