Fernanda Magnotta

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Opinião

A espetacularização das conferências globais: muito barulho, pouca ação

Conferências internacionais, assim como as próprias estruturas de governança das quais elas derivam, são importantes por diversas razões. Entre outras coisas, elas criam espaço para o diálogo e favorecem condições para que os países possam cooperar na resolução de conflitos, na promoção do desenvolvimento, e na resposta a desafios globais de vários tipos.

Ainda assim, encontros como o da Assembleia Geral da ONU, do G20 e a Conferência das Partes (COP) sobre mudanças climáticas têm enfrentado um dilema que precisa ser analisado e levado a sério: geram cada vez mais cobertura extensiva, mas resultam em poucos avanços concretos.

A cada ano, esses encontros atraem mais participantes, mais atenção da mídia e do grande público, mais investimentos logísticos, e desembocam, inevitavelmente, em eventos megalomaníacos, com estruturas robustas e instalações suntuosas. O aumento dos holofotes certamente tem a ver com a dinamização dos meios de comunicação e o aumento da mobilidade pelo mundo, somados à percepção de que os problemas são cada vez mais urgentes e de difícil trato. Não há como garantir estabilidade política ou econômica de forma isolada. Não há como combater desafios de saúde, ambientais ou de segurança unilateralmente. A maior parte das pessoas já tomou consciência a respeito dessa condição e entende a importância de arranjos multilaterais.

Apesar disso, o aumento do interesse e da participação das sociedades nessas reuniões não parece se traduzir em progressos significativos, resultados práticos ou melhorias tangíveis que venham delas. As lideranças dos países poderosos refreiam as agendas mais sensíveis. Os países menos poderosos não reúnem os meios necessários para promover mudanças estruturais. Vivemos, todos, reféns de uma paralisia sem fim.

O resultado disso é o incômodo de que, ao mesmo tempo que se dá visibilidade sem precedentes aos palcos da negociação internacional, isso não necessariamente repercute em seu fortalecimento, mas, muitas vezes, no sentimento de revolta e crítica, que estão ligados a percepção de ineficácia, lentidão e falta de conexão das estruturas de governança com os tempos e necessidades do "mundo real", no século XXI.

Ainda em 1967 Guy Debord publicou o célebre "Sociedade do Espetáculo", um texto crítico da cultura e da sociedade de sua época. Debord sugeria que a indústria cultural, dentro da lógica capitalista, alimentou uma alienação social sem precedentes, em que as relações humanas passaram a ser mediadas por imagens e interpretações. Estaríamos vivendo, segundo ele, dentro de uma lógica na qual o espetáculo domina e molda as relações humanas, determinando a forma como vemos o mundo e como nos comportamos diante dele.

Quase 60 anos depois, a leitura de Debord encontra um paralelo intrigante com as críticas contemporâneas às grandes conferências internacionais. Na medida em que ganham extensiva atenção, esses eventos assumem, cada vez mais, um viés teatral em que, por extensão, as relações internacionais, tornam-se "subprodutos espetaculares" de nossos tempos.

O descompasso de resultados palpáveis, que não acompanham o glamour dos "holofotes do show", reflete a crítica de Debord sobre o fato de sermos governados pela superficialidade, em que a aparência muitas vezes ofusca a substância. Estamos falando de situações e processos nos quais há uma permanente "comodificação das experiências". Isso é particularmente triste quando pensamos que ocorre em espaços que, em tese, foram criados para lidar com o nosso "cansaço do mundo" - o weltschmerz, como diriam em alemão -, mas que apenas potencializam essa sensação.

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Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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