Fernanda Magnotta

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Opinião

A morte de Navalny e o declínio russo na "era Putin"

Alexei Navalny, conhecida figura da oposição russa e crítico do Kremlin, faleceu na prisão essa semana, como foi amplamente divulgado pela imprensa internacional. Navalny, conhecido por expor a corrupção no governo Putin e liderar protestos antigoverno, retornou à Rússia em 2021, depois de um período no exterior, sendo rapidamente detido sob acusações políticas. Desde então, estava encarcerado em um estabelecimento penal no Ártico, considerado um dos mais duros do país.

Navalny acusava Putin por seu envenenamento em 2020 e, agora sua morte ocorre pouco tempo antes das eleições presidenciais russas marcadas para 17 de março, nas quais Putin busca seu quinto mandato. As notícias reportam que autoridades do país investigam o caso, enquanto a comunidade internacional e apoiadores demandam responsabilização. O presidente dos Estados Unidos Joe Biden disse, com todas as letras, que Putin é o responsável pela morte de Navalny.

Putin chegou ao poder máximo na Rússia inicialmente como primeiro-ministro em 1999, antes de se tornar presidente em 2000, após a renúncia de Boris Yeltsin. Desde então, ele alternou entre os cargos de presidente e primeiro-ministro, mantendo uma presença contínua e dominante no Kremlin. Putin serviu como presidente de 2000 a 2008, primeiro-ministro de 2008 a 2012 (tendo Dmitry Medvedev como presidente), e novamente voltou como presidente desde 2012, após mudanças na legislação russa que estenderam o mandato presidencial de quatro para seis anos, permitindo-lhe cumprir mais mandatos. O pleito de 2024 pode levar Putin ao seu quinto mandato, mantendo-o como liderança da Rússia até pelo menos 2030.

Ao longo de seu tempo no poder, Vladimir Putin tem sido acusado por críticos e observadores internacionais de estar envolvido em uma série de assassinatos e tentativas de assassinato de opositores e críticos ao Kremlin. Esses casos incluem figuras de alto perfil como Alexander Litvinenko, morto por envenenamento por polônio em Londres em 2006; a jornalista Anna Politkovskaya, assassinada em Moscou no mesmo ano; e o líder da oposição Boris Nemtsov, morto a tiros perto do Kremlin em 2015. Embora o governo russo negue qualquer envolvimento nesses casos, as circunstâncias suspeitas e a falta de investigações transparentes alimentam alegações de que são parte de uma estratégia para silenciar e intimidar vozes dissidentes.

Depois de tanto tempo no poder e no contexto de tantas polêmicas e decisões controversas não é exagero pensar que a Rússia que conhecemos hoje é, na verdade, a Rússia de Putin. Termos como "era Putin" ou "regime Putin" são frequentemente usados para descrever as últimas décadas do que é a Rússia, já que as decisões refletem a forte marca pessoal que ele imprimiu na política, na economia e na sociedade do país.

Se pudéssemos resumir a "era Putin" em eixos, três principais se destacariam.

O primeiro pilar tem a ver com a reforma política, centralização do poder e aumento da repressão à oposição. Putin consolidou significativamente o poder dentro do Kremlin, diminuindo a influência de oligarcas, regiões autônomas e instituições políticas independentes. Este esforço incluiu o fortalecimento do controle sobre o parlamento, o judiciário e a mídia, juntamente com reformas no sistema que ampliaram os poderes presidenciais e restringiram a competição política. Além disso, houve um aumento na repressão a vozes dissidentes, com o uso das chamadas "leis contra o extremismo" para silenciar a oposição e restringir manifestações públicas, bem como um controle rigoroso sobre a mídia e a internet. As mudanças constitucionais de 2020 que permitiram a Putin permanecer no poder até 2036 são um exemplo desse processo e intenção de manter uma influência duradoura à frente do Kremlin.

O segundo pilar abrange a tentativa de recuperar a economia às custas da dependência de recursos naturais. Sob a liderança de Putin, a Rússia implementou reformas econômicas tentando estabilizar a economia do país após a crise dos anos 1990, capitalizando sobre os altos preços do petróleo e do gás para reforçar as finanças públicas e aumentar as reservas estrangeiras. Apesar de alguns avanços, a economia russa manteve uma forte dependência das exportações de petróleo e gás, o que a torna vulnerável a flutuações nos preços globais desses recursos. Essa vulnerabilidade sublinha a complexidade da situação econômica da Rússia, que, apesar de ter experimentado crescimento, permanece atrelada a uma estrutura econômica que limita sua diversificação.

O terceiro pilar é a relacionado à uma política externa agressiva calcada no nacionalismo. A "era Putin" é marcada por uma abordagem dura nas relações exteriores, com vistas a restabelecer a Rússia como uma grande potência mundial. Isso foi evidenciado por intervenções militares em regiões como a Geórgia, Síria e Ucrânia ao longo dos anos, além de esforços para influenciar a política e as eleições em outros países. Paralelamente, Putin tem promovido um forte sentimento nacionalista, valorizando a história e identidade russas e os valores tradicionais/conservadores em oposição à influência ocidental. Isso também se reflete no desenvolvimento militar, com a tentativa de modernização das forças armadas e o aumento do orçamento de defesa, destacando o compromisso do presidente em aumentar a capacidade militar do país e sua influência geopolítica.

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O legado diante disso tudo é o que temos diante de nossos olhos: um país cujo regime autoritário enfraqueceu, internamente, suas próprias instituições e restringiu as liberdades civis e que, internacionalmente, encontra-se isolado, economicamente sancionado, e contribuindo para o aumento da instabilidade geopolítica global.

São os efeitos de uma sombra sempre presente na "era Putin": as memórias da "grande Rússia" e do "czarismo sem fronteiras". Efeitos esses, cuja cicatriz mal curada relembram, de forma incômoda e permanente, que a Rússia, até outro dia considerada uma superpotência da Guerra Fria, entrou para o novo século apenas como um BRIC, um mero país emergente.

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Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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