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Década vê explosão de milionários e desigualdade que ameaça democracias

Pichação contra a desigualdade social em uma rua de Barcelona (Espanha) - Lalo de Almeida - 28.mar.19/Folhapress
Pichação contra a desigualdade social em uma rua de Barcelona (Espanha) Imagem: Lalo de Almeida - 28.mar.19/Folhapress

Colunista do UOL

31/12/2019 04h00

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Resumo da notícia

  • Número de milionários no mundo quase dobrou de 2010 para 2019
  • "As desigualdades persistem", diz o secretário-geral da ONU

A década termina com uma persistência da concentração de riqueza no mundo, o aumento da desigualdade em diversas economias e uma classe média cada vez mais espremida, principalmente nos países ricos.

Dados publicados pelas principais entidades internacionais, bancos e por ONGs confirmam: entre 2010 e 2019, os ricos ficaram mais ricos. Em dez anos, foram somados ao PIB mundial US$ 25 trilhões, de acordo com o Banco Mundial.

Mas, apesar dos esforços, nem todos foram beneficiados. O número de milionários dobrou e a distância entre a elite e o resto da humanidade se aprofundou, com um impacto para a democracia e a estabilidade das sociedades.

Dez anos depois do colapso do sistema financeiro internacional, parte da humanidade ainda vive o legado da crise. Para socorrer os bancos, US$ 10 trilhões foram injetados pelos governos no mercado. Paralelamente, sociedades foram avisadas de que teriam de trabalhar mais por salários mais baixos. E que suas conquistas sociais das últimas décadas seriam desmontadas.

Na avaliação da ONU, não restam dúvidas que o combate à pobreza avançou desde os anos 90. Desde então, 1 bilhão de pessoas deixaram a extrema pobreza. Mas, segundo ela, "o crescimento econômico extraordinário e a melhoria generalizada do bem-estar fracassaram em fechar o fosso que divide países e dentro de sociedades". Hoje, 70% da população mundial vive em países onde a desigualdade social aumenta.

Relatores das Nações Unidas ainda concluíram que "a desigualdade de renda está em alta, já que os 10% mais ricos da população mundial ganham quase 40% da renda total". Segundo eles, 82% de toda a riqueza criada em 2017 foi para a parcela de 1% mais privilegiada.

Em seu recado de fim de ano, o secretário-geral da ONU, Antônio Guterrez, foi claro: "as desigualdades persistem". Entrando numa nova década, a realidade é que 262 milhões de crianças não vão ainda para a escola e 10 mil pessoas morrem por dia por falta de acesso à saúde.

Apesar da revolução da era digital, 3,6 bilhões de pessoas continuam desconectadas. Nos países ricos, 87% da população tem acesso à internet. Mas nos países mais pobres, a taxa é de apenas 19%, o equivalente às taxas que existiam no século passado na Europa.

A preocupação sobre o impacto da concentração de renda é compartilhada pela Oxfam, entidade que vem publicando a cada ano um retrato sombrio sobre a desigualdade no planeta. Em 2018, por exemplo, 26 pessoas controlavam o mesmo volume de riqueza que 3,8 bilhões de pessoas que formam a parcela mais pobre do mundo. Em apenas um ano, esses ultra-ricos aumentaram suas fortunas em US$ 2,5 bilhões ao dia. No outro extremo, metade da população mundial vive com menos de US$ 5,5 ao dia.

Avesso a dialogar com o Fórum Social de Porto Alegre por anos, até mesmo Davos passou a admitir nesta década que a desigualdade é uma ameaça. Nos últimos anos, o assunto foi abraçado pela elite mundial que se reúne anualmente na Suíça. No final de janeiro, o Fórum Econômico Mundial voltará a colocar o assunto sobre a mesa. Não por ter assumido uma roupagem socialista, mas por estar ciente, diante dos protestos pelo mundo, que essa concentração de renda coloca uma pressão insustentável sobre o sistema que querem preservar.

Já em 2017, um informe de Davos colocou a desigualdade como os maiores riscos para a economia global e alertava que tal concentração explicaria a vitória de Donald Trump e a votação do Brexit. Aqueles ignorados pelo grupo no poder se rebelaram. E foram seduzidos pela demagogia de líderes populistas.

30.mai.2019 - Favela do Jardim Colombo, no bairro do Morumbi, em São Paulo - Lalo de Almeida - 30.mai.2019/Folhapress - Lalo de Almeida - 30.mai.2019/Folhapress
Favela do Jardim Colombo, no bairro do Morumbi, em São Paulo
Imagem: Lalo de Almeida - 30.mai.2019/Folhapress

Milionários e bilionários

Até mesmo entre os sofisticados bancos suíços, a percepção também é a de que há um salto no número de ultra-ricos no mundo. Para esses banqueiros, isso apresenta um novo mercado a ser explorado. Mas eles não deixam de destacar que isso também significou uma concentração do poder aquisitivo.

"A metade inferior dos detentores de riqueza representava coletivamente menos de 1% da riqueza global total em meados de 2019, enquanto os 10% mais ricos detinham 82% da riqueza global e os 1% superiores detinham 45%", apontou o Credit Suisse, em um informe.

Ainda que o banco estime que há motivos para acreditar que o auge da disparidade social tenha sido superado em meados da década, o que seus números revelam é um acumulo cada vez maior de milionários.

Em 2010, existiam 24 milhões de milionários no mundo. Em 2016, eles já eram 36 milhões de pessoas com um patrimônio acima de um milhão de dólares. Em 2019, o total era de 46,8 milhões.

Em comparação com os dados de 2000, o aumento é de mais de 180%. Em dez anos, o número quase dobrou.

Outro banco suíço, o UBS, também constata que a fortuna dos bilionários no mundo cresceu em 19% em 2017, para um total de US$ 8,9 trilhões. Em todo o planeta, 2.100 pessoas contam com uma fortuna acima de US$ 1 bilhão.

Mas uma história reveladora vem do maior país comunista do mundo. Na China, dois novos bilionários eram criados por semana em 2017. Em 2006, existiam apenas 16 pessoas na China com uma fortuna de mais de US$ 1 bilhão. Dez anos depois, eles somavam 373. Para o banco, essas pessoas estão "mudando o ritmo da sociedade como nunca antes".

"A China superou os EUA como o lugar onde uma fortuna excepcional é criada em uma taxa mais acelerada", apontou.

Para o FMI, tudo indica que a China promoveu a maior redução da pobreza da história recente do mundo nos últimos 30 anos. Mas os estudos também revelam que a concentração da renda passou a se assemelhar ao dos países capitalistas. De acordo com a London School of Economics, nos EUA, a metade mais pobre da população concentrava 12% da riqueza do país em 2015. Na China, essa taxa era de 15%.

A explosão da riqueza na China e nos países emergentes também faz parte da análise da McKinsey Global Institute. De fato, essa evolução permitiu que a parcela dos países de alta renda na riqueza global caísse de 80% em 2000 para 71% em 2014. Enquanto isso, a parcela dos países de renda média, como a China e a Índia, aumentou de 14% para 22%.

Nesta perspectiva, a década foi de uma aproximação no fosse entre países ricos e emergentes.

Mas, internamente, o que se viu em cada uma das economias foi o salto da desigualdade. "Nas economias avançadas, os resultados econômicos têm-se tornado mais desiguais, especialmente as desigualdades de riqueza e rendimento", disse a empresa de consultoria. Entre os países com maior aumento na desigualdade de riqueza estão aqueles que foram significativamente afetados pela recessão de 2008, tais como a Irlanda e a Grécia.

Na Europa, entre 2000 e 2017, apenas quatro países viram uma queda da desigualdade social: Bélgica, Noruega, Polônia e Suécia.

Nos EUA, um informe do Congresso indica que, entre 2016 e 2021, a parcela mais rica do país terá um aumento de patrimônio de 16%. Entre os 20% mais pobres, a expansão será de apenas 4%.

No Reino Unido, salários médios de executivos das empresas cotadas na bolsa são 145 vezes maiores que a média dos trabalhadores do país. Em 1998, essa diferença era de "apenas" 47 vezes.

7.jul.2019 - Vista aérea de um condomínio particular no Lago Michelle e da favela de Masiphumelele, na Cidade do Cabo (África do Sul) - Lalo de Almeida - 7.jul.2019/Folhapress - Lalo de Almeida - 7.jul.2019/Folhapress
Vista aérea de um condomínio particular no Lago Michelle e da favela de Masiphumelele, na Cidade do Cabo (África do Sul)
Imagem: Lalo de Almeida - 7.jul.2019/Folhapress

Classe média

Para observadores e entidades, a questão que se coloca é como tal mudança no perfil e na distribuição da riqueza afetará a coesão das sociedades e seus comportamentos nas urnas e nas ruas.

Num recente informe publicado neste ano, a OCDE apelou a governos para que elaborem novas políticas para sair ao resgate da classe média, inclusive se desejam preservar a estabilidade política e social.

Nos anos 60 e 70, 70% da população dos países ricos eram considerados como sendo de classe média. Hoje, essa taxa caiu para 60%.

O levantamento também mostra que, nos últimos doze anos, a renda dessa classe média praticamente se estagnou, com uma expansão de meros 0,3% ao ano. Entre a camada mais rica dos países desenvolvidos, a expansão na renda foi de mais de 1% ao ano, no mesmo período.

O que a OCDE também descobriu é que, para manter seu estilo de vida, a classe média dos países ricos teve de pagar mais pelos mesmos serviços. Hoje, um terço da renda dessa população é destinado à moradia. Nos anos 90, a proporção era de 25%. Nesses países, os preços de imóveis aumentaram numa velocidade três vezes maior que a renda das famílias nos últimos 20 anos.

Em média, uma família num país desenvolvido precisa acumular uma renda de dez anos para conseguir comprar um apartamento de 60 metros quadrados na capital de seu país. Nos anos 80, eles precisam de apenas seis anos para atingir esse objetivo.

A nova classe média que entra na década de 20 também está altamente endividada. Segundo a OCDE, uma em cada cinco famílias gasta acima de sua renda.

Uma das mais educadas da história, a atual geração dificilmente vai conseguir repetir o padrão de vida que lhes foi oferecido por seus pais e pelo estado de bem-estar social. E isso, segundo os economistas e instituições, não ameaça apenas os sonhos individuais. Mas a própria existência de um sistema democrático cuja promessa é, acima de tudo, a de dar aos cidadãos o controle sobre seus destinos.

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